Quantas vezes observamos, em algumas geografias, o voo de
uma mãe pássaro vinda do mar com a boca cheia de peixe. A sua espera, milhares
ou até dezenas de milhares de jovens filhotes esperando avidamente com seu
grito particular. Eles ficam todos empurrando uns aos outros, caindo um sobre
os outros. De alguma forma, as mães discernem a voz singular de seu filhote em
meio à multidão barulhenta. Parece até um milagre.
Mesmo nos dias de hoje, um pastor no oriente médio pode ir a
um abarrotado rebanho de ovelhas, chamar suas ovelhas uma a uma, e elas
reconhecerão sua voz e irão até ele.
O pastor gasta muitas horas por dia na companhia das
ovelhas. Ele conhece suas características individuais, suas marcas, seus gostos
e do que não gosta. E mais, as ovelhas o conhecem. Outros podem ir até o elas,
mas elas não irão até ele, mesmo que chame pelo nome correto. Apenas uma voz
importa, a voz de quem elas confiam...
Os versículos 1 a 5 são uma parábola. Jesus dá três
explicações sobre ela, as quais estão nos versículos 7-10, 11-18 e 25-30.
Perceba que, quando o livro foi escrito, não havia divisões
em capítulos. Então, é importante observar a sequência iniciada no capítulo 9.
E o que dominava nesse capítulo era: Jesus
veio de Deus ou não? Ele é um profeta ou não? Ele é o Messias ou não, o “filho
do homem”, através de quem Deus julgará o mundo?Agora aqui, no que nós chamamos de capítulo 10, existe uma
parábola sobre pastores e ovelhas.
Qual a conexão?
Na Bíblia, o retrato de pastores e ovelhas frequentemente é
usado para referir-se ao rei e seu povo. No mundo contemporâneo, nós não
pensamos de governadores e líderes dessa maneira. Nós imaginamos pessoas
dirigindo grandes companhias, presidentes de bancos ou corporações
transnacionais. Nós imaginamos pessoas sentadas atrás de uma escrivaninha,
redigindo cartas ou marcando encontros de negócio. A maioria dessas pessoas
vive distante daqueles que trabalham para elas; não os reconheceriam se os
vissem face a face e, provavelmente, não saberia o nome da maioria.
Mas, na Bíblia, o rei ideal é retratado como um pastor (Ezequiel
34), talvez moldado pelo pastor-menino Davi, o qual se tornou o rei segundo o
coração de Deus. Em um mundo onde era conhecido o íntimo contato e confiança
entre pastor e ovelha, esse era o seu jeito preferido de falar sobre o legítimo
rei.
Essa é, então, a
imagem que Jesus escolheu para explicar sua própria afirmação de ser o
verdadeiro rei de Israel.
Embora gerações de leitores da Bíblia terem se
apressado ao verso 11, onde Jesus chama a si mesmo de “o bom pastor”, nós
deveríamos nos dar conta que nesses cinco primeiro versículos ele não fala de
si mesmo diretamente. Ele está falando,
de modo abstrato, sobre a diferença entre o verdadeiro e o falso pastor.
Mas, quem são esses pastores falsos, esses “ladrões e agitadores”,
esses “estranhos”?
Provavelmente, Jesus tenha em mente os vários líderes que
emergiram durante sua vida. Alguns, os quais podemos chamar de líderes
revolucionários ou senhores da guerra, estavam ávidos para levar Israel à
confrontação com os poderes imperiais. Outros, particularmente da casa de
Herodes, estavam ansiosos para submeter-se a Roma tanto quanto isso
significasse conservar seu próprio poder e riqueza.
Jesus está levantando a questão: como vocês descreverão o
verdadeiro rei enviado por Deus?
A resposta é que o verdadeiro rei será descrito como o
verdadeiro pastor. Qualquer um poderia se tornar um líder em Jerusalém. Mas
apenas aquele que viesse do jeito de Deus seria apontado como aquele que tem o
direito de ser rei. Qualquer um pode chamar seguidores. Mas o sinal do
verdadeiro rei é uma resposta que vem do coração, quando as pessoas ouvem a sua
voz e, em amor e verdade, o seguem.
Apesar das evidências que apontavam para Jesus, seus
ouvintes continuavam com o olhar perdido. Então, Jesus fornece mais
explicações. A primeira, nos versos 7-10, destaca uma interessante parte da
função pastoral.
Jesus é o portão ou a
porta. Em muitos rebanhos orientais, o pastor passa a noite no portão, a
fim de conter as ovelhas que fogem ou os predadores que podem entrar. Aqui,
Jesus parece indicar a maneira através da qual os pastores conservam as ovelhas
a salvo, e, como é dito do próprio Deus em Salmos 121.8, “Ele guardará a sua
saída e a sua entrada”. A ênfase é na segurança e na vida plena da ovelha. O
pastor não faz negócios de seu próprio interesse. Sua prioridade são as
ovelhas. Encontre um rei como esse e você encontrará o ungido do Senhor.
A promessa, portanto, de vida plena, superabundante, é tão
relevante para nós hoje como era naquela época. O moderno mundo ocidental tem
descoberto quanta insatisfação o materialismo realmente traz e está ansiando
por algo mais, algo além. Muitos ladrões têm contado mentiras, tem enganado as
ovelhas, roubando-as e deixando-as para morrerem. O chamado hoje para as
verdadeiras ovelhas de Jesus é para ouvirem sua voz e encontrar nele, e apenas
nele, a vida que, com certeza, é vida superabundante.