terça-feira, 29 de março de 2016

O sentido da ressurreição em 1Coríntios 15


Resumo do livro Os Desafios de Jesus, pg. 159 a 165.

O que significava ressurreição para o apóstolo Paulo?

Antes de tudo é importante lembrar que Paulo veio de um histórico farisaico. Ele esperava ardentemente pela restauração de Israel e pela chegada de um novo momento, no qual Deus haveria de julgar o mundo e resgatar seu povo.

Devemos ter isso em mente ao ler 1 Coríntios 15.

Vamos começar com o verso 8: “depois destes apareceu também a mim, como a um que nasceu fora de tempo.”

Essa é uma imagem violenta, envolvendo a ideia de uma cesariana, na qual um bebê é tirado do ventre antes de estar pronto, hipnotizado pela forte luz que aparecera subitamente, com dificuldades de respirar nesse novo mundo.

Paulo parece descrever aqui mais do que sua experiência na estrada para Damasco (Atos 9). Havia acontecido com ele algo especial, que não acontecera a outros.

Voltando para o início do capítulo, encontramos entre os versos 1 a 7 termos técnicos para a passagem de uma tradição: Paulo havia recebido algo; então, passou adiante.

A tradição inclui o sepultamento de Jesus. Nas palavras de Paulo, dizer que alguém tinha sido sepultado e ressuscitado após três dias (v.4) era afirmar que o sepulcro estava vazio.

A palavra “ressurreição” nesse contexto indicava que alguém se levantou dentre os mortos e não que se tratava de uma experiência espiritual. Tampouco era prova de vida após a morte.

Para Paulo, a ressurreição significava mais do que o evento em si. Significava que as Escrituras haviam se cumprido, que o Reino de Deus havia chegado e que a nova era havia começado no meio da era presente.

Isso é diferente de afirmar que Paulo havia achado alguns textos bíblicos para provar o que ele estava dizendo. Na verdade, Paulo afirmava que toda a narrativa bíblica havia, finalmente, chegado ao seu clímax através daqueles impressionantes eventos (a morte e a ressurreição de Jesus).

Como resultado, Paulo pode então, nos versos 12 a 28, afirmar que a vinda da nova era se daria em dois momentos: primeiro o Messias e, então, a ressurreição de todos aqueles que a ele pertenciam.

Percebe-se que o Messias não é um tipo de espírito ou um anjo. Ele não se encontrava em um estágio intermediário para no tempo oportuno ressuscitar dos mortos.

Jesus já havia ressuscitado. Como ser humano, já havia sido exaltado na presença de Deus. Jesus já estava reinando no mundo, como ser humano que cumpriu o destino traçado para a raça humana desde o sexto dia da criação (esse é o sentido do v. 27 ao citar Sl 8.6 – Deus havia colocado todas as coisas debaixo dos seus pés).

Sobre essa base, Paulo enfatiza, nos versos 29 a 34, o futuro recebimento de novos corpos dos cristãos mortos e a transformação nos corpos dos cristãos que estiverem vivos.

Perceba, então, que a presente vida da igreja não se resume em “ganhar almas”, como uma tentativa de se fazer seres despidos de corpos para um futuro no qual corpos não existirão. Trata-se de trabalhar com seres humanos integrais, que receberão seus corpos no fim dos tempos, à semelhança do modelo do Messias.

Mas que tipo de corpo será esse?

Seguindo os versos 50 a 57, vemos Paulo afirmar clara e enfaticamente sua crença em um corpo que será transformado e não abandonado. A presente realidade do corpo, em suas fraquezas, enfermidades e morte não farão parte do novo corpo (esse é o significado de “carne e sangue não podem herdar o reino de Deus”- v.50).

Para Paulo, “carne e sangue” não possuem significado de matéria por si só, mas da corruptibilidade à qual a matéria está sujeita. Ele está, portanto, dizendo que a ressurreição trará corpos incorruptíveis (v.52) e nós (os que estiverem vivos no dia final) seremos transformados.

Como em 2Coríntios 5, Paulo vê o presente corpo físico sendo revestido pelo novo, como um novo modelo de experiência e realidade física. Algo que ultrapassa o que conhecemos. Isso vale para a ressurreição de Jesus também.

Entre as passagens examinadas, está a parte mais complexa do capítulo: os versos 35 a 49. Neles, Paulo fala sobre diferentes formas de realidades físicas, envolvendo as ideias de continuidade e descontinuidade.

Nesse contexto, “corpo espiritual” não significa corpo “não físico” (isso seria considerar a cosmovisão helenística, a qual não tinha espaço no judaísmo).

Paulo, na verdade, está contrastando o corpo presente corruptível (soma psychikon) com o corpo futuro incorruptível (soma pneumatikon). [Cf. o comentário de 1Co 15.35-49, NT for Everyone]

Para finalizar:

Paulo, escrevendo no contexto do início dos anos 50, dizendo representar o pensamento da igreja como um todo, insistia em certas coisas a respeito da ressurreição de Jesus:

1.   Foi o memento no qual o Criador cumpriu suas promessas a Israel, salvando-os dos “seus pecados”, isto é, seu exílio. Isso logo deu início aos “últimos dias”, no fim dos quais a vitória sobre a morte, iniciada na Páscoa, estava para ser completada.

2.   Envolvia a transformação do corpo de Jesus: não foi a ressurreição do corpo da morte de Jesus nos termos em que ele era anteriormente, nem o abandono daquele corpo à decomposição. O argumento de Paulo envolvia o túmulo vazio.

3.   Envolvia Jesus sendo visto vivo por um período limitado de tempo, o que transformou a perspectiva da igreja a seu respeito. As primeiras visões do Jesus ressurreto constituíram alguns como apóstolos (1Co 9.1).

4.   Foi o protótipo da ressurreição de todo o povo de Deus no fim dos dias.

5.   Foi a base não apenas para a esperança futura dos cristãos, mas para sua ação presente.


terça-feira, 22 de março de 2016

A importância da crença na ressurreição de Jesus



No período de Páscoa, nada como atentarmos uma das grandes contribuições de N.T. Wright para o cristianismo contemporâneo: a crença na ressurreição de Jesus como fundamento da fé cristã.

Seleção de seu artigo:


As Origens Cristãs e a Ressurreição de Jesus: A Ressurreição de Jesus como um Problema Histórico


A questão da ressurreição de Jesus se encontra no centro da fé cristã. Não há forma de Cristianismo primitivo, por nós conhecida, que não afirme que após a morte vergonhosa de Jesus, Deus o trouxe de volta à vida. Esta afirmação é, em especial, a resposta constante do cristianismo primitivo para [...] como ele surgiu e tomou a forma que tomou?.

Para esta questão, virtualmente todos os primeiros cristãos que nos são conhecidos dão a mesma resposta, “Ele ressuscitou dentre os mortos”.

[...]

Existem várias teorias sobre o que aconteceu na Páscoa. Mas, na história do primeiro século, o que nós encontramos é a afirmação cristã primitiva universal que Jesus tinha atravessado a morte e chegado ao outro lado, não apenas em algum estado intermediário ou existência desincorporada, mas que seu corpo tinha sido transformado de uma maneira para a qual eles, seus seguidores, estavam muito despreparados, mas com a qual eles tiveram de se acostumar.

E eles deram esta como a resposta a por que eles acreditavam que seu anúncio do reino tinha atingido seu clímax, seu cumprimento, em sua morte e ressurreição. Eles deram esta como a razão pela qual eles continuaram a considerá-lo o Messias apesar de sua morte vergonhosa. Eles deram esta como a razão para dizer que “a ressurreição” tinha em princípio acontecido. E mais, eles teceram esta crença tão firmemente em sua teologia, sua praxis, suas estórias, e seus símbolos que (a menos que estejamos dispostos a parar de escrever história e começar ao invés a escrever fantasia) nós não podemos imaginar sua comunidade sem ela.

Eu proponho, assim, [...] que não há, de fato, outra solução para o problema histórico do que concluir que alguma coisa notável aconteceu ao corpo de Jesus.

[Ele ressuscitou.]


quarta-feira, 16 de março de 2016

sábado, 12 de março de 2016

O pedido de Tiago e João


Resumo do comentário traduzido de NT for Everyone

(Evangelho de Marcos - Mc 10.35-45)


35 Nisso Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se dele e disseram: “Mestre, queremos que nos faças o que vamos te pedir”. 36 “O que vocês querem que eu lhes faça?”, perguntou ele. 37 Eles responderam: “Permite que, na tua glória, nos assentemos um à tua direita e o outro à tua esquerda”. 38 Disse-lhes Jesus: “Vocês não sabem o que estão pedindo. Podem vocês beber o cálice que eu estou bebendo ou ser batizados com o batismo com que estou sendo batizado?” 39 “Podemos”, responderam eles. Jesus lhes disse: “Vocês beberão o cálice que estou bebendo e serão batizados com o batismo com que estou sendo batizado; 40 mas o assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não cabe a mim conceder. Esses lugares pertencem àqueles para quem foram preparados. 41 Quando os outros dez ouviram essas coisas, ficaram indignados com Tiago e João. 42 Jesus os chamou e disse: Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. 43 Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo; 44 e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos. 45 Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.

Essa é a terceira vez que Jesus avisa, solenemente, aos discípulos o que acontecerá com ele. 

Sua morte não será surpresa. 

Ela é parte de sua vocação, reconhecida desde a voz em seu batismo, a qual ecoa a profecia de Isaias sobre o servo e sua morte redentora (cf. Isaías 40 a 55, especialmente 53). 

Na passagem de Marcos, Jesus retorna explicitamente para esse quadro profético.
As afirmações de Jesus, assim, apontam não apenas para a sua morte na cruz, mas para o clímax de sua vocação. Esse tem sido o centro do cristianismo autêntico.

Muitas pessoas, no entanto, tem dito repetidas vezes, que esse “cristianismo autêntico” é, na verdade, um jeito de se comprometer com o poder político (isso é, provavelmente, porque a cruz, algumas vezes, tem sido usada para encorajar uma piedade privada, a qual deixa os problemas maiores do mundo intocados).

Essa perspectiva é o exato oposto da verdade.

Tiago e João querem tornar a jornada messiânica de Jesus a Jerusalém em uma marcha para a glória, uma glória na qual eles sentarão ao seu lado quando ele se tornar rei.

Para eles, os avisos de Jesus a respeito de sofrimento, morte e ressurreição significam apenas: “será duro, mas nós venceremos”.

Mas a cruz não é, para Jesus e para Marcos, apenas uma parte difícil do caminho. Ela é, precisamente, o caminho de Deus para colocar o poder e autoridade terrenos sob seu domínio.

Quando, no fim dessa passagem, Jesus cita a canção do servo (“dar sua vida em resgate de muitos”), ele destaca o que Isaías teria enfaticamente concordado: o reino de Deus vira as ideias de poder e glória de cabeça para baixo e de dentro para fora.

O sentido da cruz no contexto de Marcos, portanto, é fundamentalmente uma interpretação política.

A cruz não é apenas sobre Deus perdoar nossos pecados por causa da morte de Jesus (embora, é claro, isso seja central). 

A cruz é o modo de Deus consertar o mundo e a nós mesmos. Ela desafia e subverte todos os sistemas humanos, os quais afirmam colocar o mundo em ordem, mas, de fato, apenas conseguem colocar um grupo diferente no comando.

A razão de Tiago e João não entenderem Jesus é a mesma porque muitos pensadores subsequentes, até nossos dias, estão desesperados para encontrar uma forma de ter Jesus sem a cruz: a cruz confronta todo orgulho e glória humana. E isso carrega importante significado político. Nisso está o problema.

E a conversa de Jesus sobre beber a taça e receber o batismo?

São densas e difíceis palavras.

A “taça” parece ser a taça da ira de Deus, conforme o profeta Jeremias. Jesus, aqui e no Getsêmani (14.36), encara o fato de que, no justo julgamento de Deus, a maldade do mundo inteiro e de Israel em particular, será colocada sobre seus ombros.

Isso toma uma forma específica e concreta: como no AT ira de Deus é o que acontece quando um exército estrangeiro vem e destrói o povo de Deus, a cidade de Deus, a tarefa de Jesus é seguir em frente e tomar a plenitude da “ira” sobre si mesmo.

O batismo, por sua vez, parece voltar ao começo da história, onde, através de João Batista, Jesus se entrega à vocação do sofrimento messiânico, a fim de estabelecer a nova aliança de Deus com o seu povo.

Então, sua morte iminente era para ser entendida como um tipo de batismo. Em outras palavras, Jesus desceria às águas da morte, para que os pecados fossem perdoados (cf. Romanos 6.3-11; Colossenses 2.11-15).

E sobre quem sentará à direita e à esquerda de Jesus?

Tiago e João não sabem o que eles estão pedindo, mas os leitores de Marcos, após poucos capítulos de espera e suspense, descobrirão.

É na cruz que Jesus “senta em sua glória”, com uma pessoa ao seu lado direito e outra ao seu lado esquerdo. [É para os dois ladrões que os lugares estão reservados.]

Marcos nos dá, portanto, um quadro completo da verdadeira glória real e do que a morte de Jesus significará.

Seguir a Jesus

É importante lembrar, finalmente, que um dos temas subjacentes do livro de Marcos é “seguir a Jesus”.

Quando, então, nós olhamos para o quadro que ele está desenhando, nós podemos ficar admirados e temerosos. Jesus, porém, está indo para Jerusalém colocar os valores e sistemas de poder do mundo sobre seus ombros. E dar sua vida em resgate de muitos.

Se nós quisermos receber o que ele tem para oferecer, nós não temos escolha. Temos de segui-lo.


terça-feira, 8 de março de 2016

O céu não é a questão



Publicado em 09/11/2011

Por N.T. Wright

Fonte: http://www.cristianismohoje.com.br/interna.php?subcanal=48&id_conteudo=601


Não há acordo na Igreja hoje em dia sobre o que acontece com as pessoas quando morrem, embora o Novo Testamento seja claro sobre o assunto. Paulo fala da “redenção do nosso corpo” em Romanos 8.23. Não há espaço para dúvidas sobre o que ele quer dizer: ao povo de Deus é prometido um novo tipo de existência corporal, a completude e redenção da nossa vida corporal presente. O resto dos primeiros escritos cristãos, onde este assunto é abordado, estão em completa sintonia com isto.

O quadro tradicional de pessoas que vão para o céu ou para o inferno como uma jornada pós-morte, com um estágio de duração, representa uma séria distorção e diminuição da esperança cristã. A ressurreição do corpo não é nada diferente desta esperança – é o elemento que dá forma e significado ao resto da história dos últimos propósitos de Deus. Se resumida, como muitos têm feito, ou até deixada de lado, como outros fizeram explicitamente, perde-se esta visão extra, uma espécie de “peça central” da fé, que a faz funcionar. Quando falamos com precisão bíblica sobre a ressurreição, descobrimos uma base excelente para um trabalho cristão criativo e vivo no mundo presente, e não, como alguns supõem, mero escape ou devoção sacrificial.

Enquanto o paganismo greco-romano e o judaísmo possuíam uma grande variedade de crenças sobre vida após a morte, os primeiros cristãos, a começar por Paulo, eram memoravelmente unânimes acerca do tema. Quando Paulo fala, em Filipenses 3, sobre a “cidadania dos céus”, o apóstolo não quer dizer que vamos nos aposentar na eternidade após terminar nosso trabalho aqui. Ele diz na linha seguinte que Jesus virá dos céus para transformar nossos corpos humilhados do presente em um corpo glorioso como o seu. O Senhor fará isto através do seu poder, já que tudo está sob o seu domínio. Esta declaração contém, em suma, mais ou menos o que Paulo pensa sobre o assunto. Jesus ressurreto é tanto o modelo para o corpo futuro dos cristãos como a forma pela qual este corpo chegará.

O corpo ressurreto de Jesus, que para nós é quase inimaginável neste momento em toda a sua glória e poder, será o modelo para o nosso próprio corpo. Mas a passagem mais clara e forte é a de Romanos 8.9-11. Se o Espírito de Deus habita em alguém, então aquele que ressuscitou a Cristo dentre os mortos dará vida a seu corpo mortal. Outros escritores do Novo Testamento apóiam essa idéia. A primeira carta de João declara que, quando Jesus aparecer, seus servos se tornarão como ele, pois o verão como é. Cristo reafirma a ampla expectativa dos judeus sobre a ressurreição no último dia e anuncia que a hora já havia chegado: “Eu lhes afirmo que está chegando a hora, e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e aqueles que a ouvirem, viverão”. De outra feita, garante: “Não fiquem admirados com isso, pois está chegando a hora em que todos os que estiverem nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão – os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida, e os que fizeram o mal ressuscitarão para serem condenados”.

É claro que haverá uma futura completude envolvendo a última ressurreição. A compreensão teológica em Lucas não deixa dúvidas, sobretudo no que se refere à passagem do ladrão da cruz – aquele que ouviu do Salvador as seguintes palavras: “Hoje, estarás comigo no paraíso”. Lucas deve ter compreendido tal afirmação como uma referência a estar na eternidade. Com Jesus, a esperança futura chega ao presente. Para aqueles que morrerem na fé, antes do acordar final, a promessa central é estar com Jesus de uma vez. “Meu desejo é partir e estar com Cristo, o que é muito melhor”, disse Paulo.

Aqui precisamos discutir o que Jesus quer dizer quando declara que “há muitas moradas” na casa de seu Pai. Tal descrição tem sido muito utilizada, não só no contexto de perdas para dizer que os mortos (ou pelo menos os cristãos que partem) simplesmente irão para o céu permanentemente, ao invés de serem ressuscitados subsequentemente para uma nova vida corpórea. Mas a palavra “moradas” (monai), é regularmente usada no grego antigo não para designar um lugar de descanso final, mas para um local temporário, em uma jornada que levará a outro lugar no final. Isto se encaixa às palavras de Jesus para o criminoso na cruz: “Hoje você estará comigo no paraíso”. Apesar de uma longa tradição de erros na leitura, “paraíso”, aqui, não significa o destino final, mas um jardim, uma terra de descanso e tranqüilidade, onde os mortos encontram refrigério enquanto esperam pelo fim do novo dia.

A questão principal da frase está no aparente contraste entre o pedido do criminoso e a resposta de Jesus: “Lembra-te de mim quando entrares no teu Reino”, o que significaria que isso seria num tempo distante no futuro. Contudo, a resposta de Jesus traz a esperança futura para o presente, significando que com a sua morte, o Reino de Deus é chegado, apesar de não parecer nada com aquilo que as pessoas imaginavam. Tal certeza é sintetizada na sua célebre frase: “Hoje você estará comigo no paraíso”.

A ressurreição então aparecerá com o significado da palavra no mundo antigo, quando não era uma forma de falar sobre a vida depois da morte. Era uma forma de referir-se sobre uma nova vida do corpo após quaisquer estados de existência as pessoas entrariam com a morte. Era, em outras palavras, a vida após a vida após a morte. O que dizer então sobre passagens como I Pedro 1, que fala sobre a salvação que está “guardada nos céus”, para que no presente creia que receberá “a salvação de suas almas”? O Cristianismo ocidental nos dirige em uma direção equivocada. A maioria dos Cristãos hoje, ao ler uma passagem como esta, assume que o significado seja que o céu é aonde você vai para receber esta salvação, ou até, que a salvação consiste em “ir para o céu quando você morre”.

A forma como agora compreendemos a linguagem no mundo ocidental é completamente diferente do que Jesus e seus ouvintes compreendiam e significavam. Para começar, o céu é na realidade uma forma reverente de falar sobre Deus, portanto as “riquezas do céu” significam simplesmente “as riquezas da presença de Deus”.  Mas, por derivação deste primeiro significado, o céu é o lugar onde os propósitos de Deus para o futuro estão armazenados. Não significa o local onde eles devem ficar e, portanto, você deve ir até lá para aproveitá-los. É onde estão guardados até o dia em que se tornarão realidade na terra. A herança futura de Deus, o novo mundo incorruptível e os novos corpos que habitarão o mundo novo, já estão guardados, esperando por nós, para que apareçam no novo céu e nova terra.



sábado, 5 de março de 2016

O fermento dos fariseus e de Herodes






[Resumo traduzido do comentário 
NT FOR EVERYONE - Marcos 8.11-21]







11 Os fariseus vieram e começaram a interrogar Jesus. Para pô-lo à prova, pediram-lhe um sinal do céu. 12 Ele suspirou profundamente e disse: “Por que esta geração pede um sinal milagroso? Eu lhes afirmo que nenhum sinal lhe será dado”. 13 Então se afastou deles, voltou para o barco e foi para o outro lado. 14 Os discípulos haviam se esquecido de levar pão, a não ser um pão que tinham consigo no barco. 15 Advertiu-os Jesus: “Estejam atentos e tenham cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes”. 16 E eles discutiam entre si, dizendo: “É porque não temos pão”. 17 Percebendo a discussão, Jesus lhes perguntou: Por que vocês estão discutindo sobre não terem pão? Ainda não compreendem nem percebem? O coração de vocês está endurecido? 18   Vocês têm olhos, mas não vêem? Têm ouvidos, mas não ouvem? Não se lembram? 19 Quando eu parti os cinco pães para os cinco mil, quantos cestos cheios de pedaços vocês recolheram?” “Doze”, responderam eles. 20 “E quando eu parti os sete pães para os quatro mil, quantos cestos cheios de pedaços vocês recolheram?” “Sete”, responderam eles. 21 Ele lhes disse: “Vocês ainda não entendem?”

Professores tem um tipo particular de tristeza no olhar quando eles explicam algo para um aluno o mais claro que eles podem, vezes seguidas, e o aluno não entende.

Parece que Jesus tinha esse olhar em sua face no final de sua conversa no bote.

E mais. Ele sabia a importância dos discípulos aprenderem a lição o quanto antes. As coisas estavam esquentando.

No começo da narrativa, os fariseus apareceram e pediram um sinal (como se o que Jesus estivesse fazendo não fosse um sinal substancial).

Que tipo de sinal eles queriam? O que Jesus percebeu em suas intenções?

Jesus parece considerar que foi pedido um tipo específico de sinal, um sinal para ele de que “essa geração”, isto é, o estilo de vida e o pensamento de seus contemporâneos judeus, estava determinada a não ouvir a mensagem que ele anunciava, determinada a seguir seu próprio caminho, a lutar pelo reino em seus próprios termos.

Jesus estava apostando sua própria vocação nos sinais do reino de Deus que ele estava fazendo. Se os fariseus não pudessem (ou não devessem) enxergar isso, era porque a noção do reino para eles era radicalmente diferente de Jesus.

O confronto de visões de reino continuou até alcançar o seu clímax na crucificação de Jesus.

Eis porque Jesus avisou os discípulos contra o “fermento” dos fariseus e de Herodes.

Os judeus usavam fermento para fazer o pão do dia a dia, mas no tempo de Páscoa o fermento era proibido, a fim de lembra-los de quando eles estavam com pressa para deixar sua escravidão no Egito. Naquela ocasião, eles apenas tinham tempo para fazer pão sem fermento.

Agora, Jesus fala de “fermento”, não para alertar os discípulos sobre o tipo errado de pão, mas para colocar eles em guarda contra o tipo errado de visão de reino.

Os fariseus estavam diluindo a visão: eles queriam que Deus estabelecesse um reino para o benefício dos judeus que pudessem observar a lei com grande rigor e não para beneficiar o grupo mais amplo que Jesus tinha em mente.

Herodes e seus comparsas estavam diluindo a visão: eles queriam Deus para estabelecer sua família real como os verdadeiros reis de Israel.

A visão de reino de Jesus era muito diferente. A multiplicação extraordinária de alimentos apontava para ela e assegurava aos discípulos sobre o que estava realmente acontecendo.

Era urgente que eles entendessem a mensagem.

Jesus, nesse contexto, pode ver os sinais de crescente hostilidade. É vital que os discípulos se deem conta do que ele está fazendo e por quê, pois o tempo está vindo rapidamente, quando eles terão de ir para Jerusalém com uma missão, não de alimentar pessoas famintas, mas para desafiar o coração do sistema.

E os discípulos apenas estarão prontos e desejarão segui-lo se eles perceberem que Jesus não é apenas alguém que cura, não é apenas um profeta. Ele é algo mais, algo que coloca os fariseus e mesmo a realeza de Herodes em (ao menos) segundo plano.

Como bom professor, Jesus não dá a eles a resposta diretamente. Eles deveriam se esforçar para encontrar a resposta por eles mesmos. 

Jesus já está apontando para o que é óbvio! Por que eles não podem chegar à conclusão?

No meio disso tudo, Jesus cita o profeta Jeremias (5.21). [“Vocês têm olhos e não enxergam; têm ouvidos e não escutam”] Essa não é apenas uma maneira poética de dizer “Eu não posso acreditar o quanto vocês estão cegos?” É, na verdade, um jeito de dizer “Vocês estão em perigo de seguir o caminho dos israelitas nos dias de Jeremias!”

Qual era o problema daqueles dias?

Com certeza, havia muitos com o mesmo problema que Jesus viu nos fariseus e em Herodes.

As pessoas estavam tão apegadas em suas próprias preocupações, e tão indiferentes à injustiça e à maldade em sua sociedade, que Deus não tinha alternativa a não ser abandoná-los em seu próprio destino na mão de estrangeiros.

Se eles, efetivamente, adoram outros deuses, esses outros deuses (e seus devotos) terão poder sobre eles.

Isso é o que está no centro da advertência de Jesus contra seus contemporâneos.

Quando você observa uma corrida de canoagem, parece excitante e perigoso. Mas, quando você participa de uma, percebe que há momentos quando as coisas vão rápidas demais. Você sai da água tranquila para a agitação furiosa, na descida de uma corredeira, de uma hora para outra. Você precisa ter habilidade nos remos e movimentos precisos para chegar ao fim do trajeto.

O que Marcos está descrevendo aqui é um momento como esse. É o momento quando Jesus se dá conta que ele está descendo a corredeira muito rápido.

A confrontação entre sua visão de reino e a de seus rivais está vindo de forma acelerada. Ele está ansioso para os discípulos entenderem o que está acontecendo.

Então, surge uma questão para nós:

Se nós entendemos qual era a missão de Jesus e fazemos dela a fundação de nossa fé e esperança, será que nós entendemos o que ela está fazendo nesse exato momento, não apenas em nossa vida, mas em nosso mundo?

O que faria Jesus “suspirar profundamente” hoje?

E a nosso respeito? O que faria Jesus dizer, como um professor frustrado, “Vocês ainda não entenderam?”.


quinta-feira, 3 de março de 2016

O mal e a justiça de Deus



Nesse vídeo, ao apresentar o livro "O mal e a justiça de Deus", o Dr. Wright dá uma breve introdução ao problema do mal e de como Deus trata essa questão (legendas em português).

O livro foi editado em português pela Ed. Ultimato.

Vale a pena a leitura.

Eis a sinopse:


O mal não é uma preocupação apenas dos cristãos. Todos os dias ouvimos sobre maus-tratos, violência, injustiça, terrorismo, enfim, o sofrimento, da boca dos políticos e da imprensa. Se antes acreditávamos ingenuamente no progresso humano, hoje não sabemos o que fazer.

Nossas perguntas sobre Deus e a natureza do mal demandam uma explicação madura, profunda e esclarecedora. O que Deus fez (se é que fez ou faz alguma coisa) e o que nós devemos fazer? Como a Bíblia, Jesus Cristo, a história do Antigo e do Novo Testamentos respondem ao problema do mal? 

Para N. T. Wright, “a melhor de todas as notícias é que não precisamos esperar o futuro para começar a viver a libertação do mal. Somos convidados a começar essa vida hoje”.