quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Discipulado significa agir no mundo como Jesus


Seguindo Jesus, p. 63-64

A igreja deve se tornar para o mundo aquilo que Jesus foi quando esteve aqui. Isso é o que discipulado – seguir a Cristo – realmente significa.

Isso pode significar, por exemplo, ter a porta de sua igreja chutada, pelo fato de ter permanecido firme na luta pelos direitos dos negros em sua cidade (como aconteceu com um pastor na cidade de Walsall, Inglaterra). 

Ou, então, pode significar permanecer diante de uma multidão, correndo risco de morrer, para dizer às pessoas que a violência não é a solução para nossos problemas (como fez Desmond Tutu, na África).

Isso significa uma igreja afetada pela recessão de seu país e encontrar outras formas de adorar a Deus, mesmo perdendo boa parte de suas finanças. 

Significa encontrar uma forma de servir a comunidade, ajudando-a a lidar com sua dor e sofrimento, das mais diversas formas possíveis. 

Significa ser apto a dizer “não” a determinadas práticas, ainda que consideradas normais em diversos lugares.

O que, então, a igreja no Brasil precisa fazer para abraçar essa visão de seguir a Jesus?

Anseio por ver o dia no qual as pessoas se posicionarão diante do governo exigindo melhoras educacionais, lutando por questões políticas, pelos problemas que nos assolam, bem como ao resto do mundo. 

Anseio ver a igreja se posicionando contra o aborto, contra o sensacionalismo que a mídia faz com a desgraça alheia.

Isso tudo, todavia, precisa ser feito da forma correta.

Vivemos em um mundo onde cristãos projetam sua insegurança no mundo e dizem que, com isso, estão pregando o evangelho. 

Precisamos – e sei que isso pode assustar – de cristãos que façam pelo mundo o que Jesus fez por ele.

A igreja precisa se preparar para se posicionar num lugar que não seja o da visão guerreira e facciosa, nem o do pacifismo covarde. 

A igreja precisa se preparar para agir, simbolicamente, como Jesus, a fim de mostrar ao mundo que há uma forma diferente de se viver.


quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Nem coerção, nem passividade, mas discipulado



Seguindo Jesus, p. 61-63

O evangelho de Marcos funciona como um pequeno manual para os seguidores de Jesus. Ele está estruturado de forma bem simples, em duas partes. A porção do capítulo 1 ao capítulo 8 nos apresenta o primeiro segredo: Jesus de Nazaré é, de fato, o Messias. A porção que inclui os demais capítulos (do 9 ao 16) nos apresenta o segundo segredo: esse messias não é um guerreiro militar, mas o Servo Rei.

A todo momento, Marcos está pontuando sua narração com histórias, como se estivesse perguntando aos seus leitores: você está entendendo a questão? Caso esteja, está preparado para seguir a Jesus? Está pronto para uma vida de discipulado? Está preparado para ser um agente na implementação de sua vitória nessa terra?

A igreja, ironicamente, tem se dividido entre as duas opções rejeitadas por Jesus no Getsêmani. 

Há tempos em que ela vive como se estivesse em uma cruzada, transformando a espada do evangelho no evangelho da espada, pensando em espalhar as boas novas através das armas que consegue carregar. Que Deus nos perdoe por termos transformado a cruz, símbolo do amor sacrificial, em um símbolo que tem causado medo em pessoas ao redor do mundo. 

Por outro lado, há momentos em que a igreja parece ter se recolhido, se escondido em seus lugares privados, pensando na religião como apenas uma questão que envolve indivíduos e Deus – ou melhor, a igreja e Deus – sem ter nada a oferecer ao resto da população mundial. Essa tem sido uma escolha depois de momentos de cruzada. Mesmo assim, não se parece com a escolha do Servo Rei.

O que Marcos tem a dizer?

Marcos nos convida a pararmos de projetar no mundo a culpa e o medo que sentimos dentro de nós. 

Além disso, ele nos convida a tomarmos nossa própria cruz e seguirmos a Jesus. 

Ele pinta um quadro tragicômico dos discípulos: errando e não compreendendo as coisas, falhando ao entender o que Jesus estava fazendo e abandonando-o completamente.

Porém, ele continua a mostrar Jesus ensinando seus discípulos, amando-os, guiando-os e morrendo por eles. Aqui é o lugar onde começamos. [...] 

A boa nova, então, diz respeito ao convite para que você se assente à mesa de Jesus, deixando todas as demais coisas aos pés da cruz, e recebendo nova vida, a vida de Jesus, trazendo-lhe uma nova razão de viver.

Vale, ainda, saber que Marcos não para por aí em sua apresentação. 

Ele estava, provavelmente, escrevendo para uma igreja que enfrentava perseguição; seu convite ao discipulado não era apenas uma questão de piedade pessoal, mas um convite para que as pessoas permanecessem de pé pela causa do evangelho, pelo seu Servo Messias, na perigosa arena desse mundo.

Ele nos convida, em outras palavras, a sermos parte da solução, ao invés de sermos parte do problema. Marcos nos chama a deixarmos de ser aqueles que provocam incêndios, a fim de sermos aqueles que os apagam.

Marcos convoca a igreja a abandonar os sonhos imperialistas, bem como o não-envolvimento, e a se tornar para o mundo aquilo que Jesus foi quando esteve aqui. Isso é o que discipulado – seguir a Cristo – realmente significa.


terça-feira, 6 de setembro de 2016

A vocação da cruz

O Grito, E. Munch

Os desafios de Jesus, p. 212

Se desejamos ser proclamadores do Reino, apresentando uma novo forma de viver como humanos, devemos também refletir a cruz. Essa é uma expressão estranha, mas que também faz parte de nossa tarefa como seguidores de Jesus.

Moldar nosso mundo nunca é, para um cristão, uma questão de sair de forma arrogante, pensando que podemos organizar o mundo de acordo com o modelo que tivermos em mente. Trata-se de compartilhar a dor e o sofrimento do mundo, de forma que o amor crucificado de Deus, em Cristo, traga cura ao mundo nas áreas que ele precisa ser curado.

Porque Jesus carregou a cruz de forma única por nós, o perdão não precisa mais ser comprado; está consumado. Contudo, porque, como ele mesmo disse, segui-lo envolve carregar a nossa cruz, devemos esperar, como diz o Novo Testamento repetidas vezes, encontrar uma cruz a seguir constantemente em nosso caminho.

Se pudéssemos, escolheríamos não ter de carregá-la. Encontramo-nos no Getsêmani, dizendo, “Senhor, tem que ser assim mesmo? Se eu tenho sido tão obediente até aqui, por que as coisas têm que acontecer comigo dessa forma? O Senhor quer que eu me sinta assim mesmo?”

Em algumas ocasiões, a resposta pode até ser “não”. É possível que, às vezes, tenhamos tomado o caminho errado, tendo que, então, mudar de rota e seguir por outra estrada. Contudo, frequentemente, a resposta é que devemos permanecer no Getsêmani mesmo.

O caminho do cristão não é o do silêncio sufocador, do comprometimento herodiano ou do zelo militar. O caminho do cristão é o de ser, em Cristo e pelo Espírito, alguém que esteja no lugar onde o mundo está em sofrimento, de forma que o amor de Deus seja manifestado, curando toda espécie de dor.

Essa perspectiva encontra profunda base na teologia do Novo Testamento, principalmente em Romanos 8. Ali, Paulo fala sobre toda a criação gemendo.

Onde deve estar a igreja em momentos como esse? Sentada no canto, sabendo que tem a resposta? Não diz Paulo: nós também gememos, porquanto também aguardamos pela redenção dos filhos de Deus, por nossa libertação final.

Onde está Deus nisso tudo? Sentado no céu, desejando que pudéssemos agir por conta própria? Não, insiste o apóstolo (8.26-27): Deus também geme, presente em sua igreja no lugar onde o mundo sofre.

O Espírito de Deus geme em nós, clamando e intercedendo ao Pai. A vocação cristã é estar, em oração e no Espírito, no lugar onde o mundo está em sofrimento. 

Ao abraçarmos essa vocação, descobrirmos que essa é a forma de se seguir a Jesus, moldada por sua vocação messiânica revelada na cruz, com os braços estendidos, segurando a dor e o sofrimento do mundo e liberando o amor de Deus.


quinta-feira, 1 de setembro de 2016

“Shema” como oração cristã



Simplesmente Cristão, p. 181-182

Há ainda outra oração que pode ser usada da mesma forma das orações anteriores [descritas no artigo prévio, ”Orações cristãs”], e acredito que tenha sido usada assim nos primórdios da igreja primitiva.

No antigo judaísmo, assim como no moderno, há uma oração que deve ser recitada três vezes ao dia, começando com a frase encontrada em Deuteronômio 6.4:

“Ouve, Israel, o Senhor [YHWH] nosso Deus [YHWH] é o único Senhor [YHWH]. Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o coração”.

Essa oração é conhecida como a oração Shema, que significa “Ouve” em hebraico. As pessoas, às vezes, ficam surpresas quando descobrem que se trata de uma oração, pois mais parece uma declaração teológica acrescida de uma ordem.

Mas, assim como a leitura das Escrituras durante o culto não tem como propósito relatar à congregação algo que ela desconhece, mas louvar a Deus pelo que ele tem feito, declarar quem ele realmente é [YHWH] e o que ele requer do povo da aliança é de fato uma oração, um ato de adoração e de compromisso.

É uma forma de tirar o foco de nós mesmos e de nossa lista de necessidades, desejos, expectativas e temores para colocá-lo inteiramente em Deus, no nome de Deus, no caráter de Deus, nas intenções de Deus, no convite amoroso de Deus, na glória de Deus.

O simples fato de pensar nessas palavras como oração é altamente instrutivo.

Nos primórdios do cristianismo essa oração floresceu por causa de Jesus. [...] Paulo, em Corinto, lembrou aos cristãos que eles eram monoteístas, tal como os judeus, e não politeístas pagãos; e para completar a argumentação, ele citou essa oração em sua nova forma cristã:

“Todavia para nós há um só Deus e Pai,
de quem são todas as coisas e para quem existimos;
e um só Senhor, Jesus Cristo,
pelo qual são todas as coisas e nós também por ele.”
(1Coríntios 8.6)

[Na sequência dessa passagem], depois de falar sobre o nosso amor por Deus, Paulo então passa a falar de nosso amor pelos outros, o amor que flui exatamente do fato de o Messias ter morrido pelo nosso próximo da mesma forma que morreu por nós.

Por que não fazer dessas palavras nossa oração?

Assim como a “Oração de Jesus”, ela pode ser recitada vagarosamente e repetidamente. Como os grandes cânticos de louvor em Apocalipse 4 e 5, ela resume a adoração e o louvor a Deus como criador e redentor.

Nota: As frases “de quem... para quem” e “pelo qual... por ele” são densas, porém claras declarações do Pai como a origem e o propósito de todas as coisas, e do Filho como aquele por meio de quem todas as coisas foram feitas, e todas as coisas foram redimidas. Paulo se estende mais sobre esse assunto em Colossenses 1.15-20.

Meditar em Deus dessa forma, portanto, é avistar, como um balonista num dia claro, todo o majestoso cenário dos amorosos propósitos de Deus, observando essa ou aquela característica em particular, porém sem perder a visão do todo.

Os cristãos primitivos com certeza entendiam alguma coisa sobre oração. Temos muito a aprender com eles.