quarta-feira, 20 de julho de 2016

Amar a Deus com todo o coração


Trecho do texto de N. T. Wright:
Integridade e Integração: Amando a Deus com Coração, Mente, Alma e Força
(Disponível em http://ntwrightpage.com/port/Integridade.pdf)

“Ame o Senhor, seu Deus, com todo o coração...” (Marcos 12.30)

[...] Vez após vez, como vocês sabem, os profetas chamaram Israel para esse amor central e vital, contrastando-o com os meros serviços de boca ou aparência exterior.

Vez após vez, no Novo Testamento, os primeiros cristãos ecoam a promessa de Jeremias 31, que Deus escreveria sua lei nos corações do seu povo, e de Ezequiel 36, que Deus tiraria nosso coração de pedra e nos daria um coração de carne.

Vez após vez, nós somos lembrados que o coração humano, deixado com suas próprias características, é desesperadamente mau, cheio de engano, corrupção, confusão e desintegração.

Vez após vez, é prometido a nós que o trabalho de Cristo e o dom do Espírito habilitará o coração para se tornar aquilo que ele deveria ser, para se tornar o verdadeiro centro humano de integração e vida integrada de adoração, amor e serviço.

Há duas coisas, em particular, sobre as quais eu quero falar sobre amar a Deus com o coração.

Primeiro, os avisos bíblicos mencionados há pouco deveriam nos alertar para as paródias contemporâneas deste chamado. O movimento romântico, por um lado, e o existencialismo, por outro, nos impelem a acreditar que o que importa é simplesmente expressarmos o que verdadeiramente está dentro de nós mesmos, que deveríamos entrar em contato com nossos sentimentos mais profundos, que deveríamos simplesmente "ser verdadeiros conosco mesmos".

Isso é uma pálida paródia da integridade que o evangelho procura, oferece e sustenta. Não é, assim, uma vida de obediência cristã, mas o caminho do gnosticismo, onde o que importa não é a graça de Deus curando e restaurando o coração, mas a descoberta daquilo que verdadeiramente estava lá o tempo todo.

Esse é um tema popular em muitos romances e filmes, e é, muitas vezes, descrito como "redenção"; isso, porém, é um mal-entendido. 

Na Bíblia e no ensino de Jesus, amar a Deus de todo o coração nunca é uma questão de simplesmente descobrir aquilo que está no coração e ser verdadeiro para com aquilo. 

É uma questão do coração ser persuadido e vencido, desafiado, curado e transformado, pelo amor poderoso e pela graça de Deus que, com certeza, quer que descubramos todos os lugares secretos do coração, mas quer que isso seja feito para que sejam limpos e curados, para que o coração possa ser corrigido e liberto, para ser não aquilo que ele verdadeiramente já era, mas aquilo que Deus espera que ele se torne. [...]

A segunda coisa que quero dizer sobre o coração é rejeitar e refutar a sugestão que é feita de tempos em tempos de que aqueles que tentam explicitar o significado do evangelho, não menos do evangelho de Paulo, para a igreja e para a sociedade abandonam, ou consideram irrelevante, o chamado individual de cada homem, mulher e criança para responder à graça de Deus nas profundezas de seus corações.

Há, é claro, aqueles que tentam fazer isto: alguns usaram, por exemplo, a Nova Perspectiva sobre Paulo como uma maneira de dizer que Paulo estava "realmente" interessado em reunir judeus e gentios ao invés da cura do coração humano, e aqueles que usaram a Recente Perspectiva sobre Paulo como uma maneira de dizer que Paulo era na verdade um político e, desta forma, não um teólogo ou um pastor.

Essa nunca foi minha visão, e eu tenho tentado aprender de ambas as perspectivas, sem segui-las no estéril "ou isto ou aquilo" do Iluminismo, as quais ambas incorporam.

Da mesma forma, há alguns que, seguindo a apropriação da baixa-igreja do romantismo, imaginaram que todas as ações externas (por exemplo, na liturgia) devem ser irrelevantes ou até mesmo perigosas para a verdadeira espiritualidade. 

Isso emerge e sustenta uma visão de mundo já desintegrada, e trazer essa questão à tona não é de forma alguma diminuir o lugar do coração, mas, ao contrário, insistir que corações humanos saudáveis pertencem ao interior de corpos humanos ativos.

[Portanto], o coração, bem como sua redenção e renovação, permanece central para a soteriologia e espiritualidade bíblicas. Amar a Deus com o coração é a verdadeira resposta ao amor imerecido e ilimitado de Deus, do próprio coração de Deus; essa resposta é por si mesma, como Paulo insiste, o resultado do Espírito derramado em nosso coração. [...]


terça-feira, 12 de julho de 2016

A igreja remodelada para missão



Surpreendido pela Esperança, pg. 225 e 283

A igreja da atualidade (inclusive a "igreja emergente", a "igreja líquida", as "novas expressões de igreja", a "igreja remodelada para a missão" e muitas outras) tem debatido a questão de qual seria sua missão e sua vida no futuro. No entanto, a frustração com o padrão atual da vida da igreja, somado ao liberalismo da pós-modernidade e aos temores protestantes remanescentes em relação à ordem criada, têm conspirado para produzir um caos ora agradável, ora nem tanto. É nesse contexto que uma visão apropriada da escatologia bíblica pode e deve gerar uma nova e, sem dúvida, polêmica, visão da missão da igreja.

Para ser claro, a criação deve ser redimida, ou seja, o espaço deve ser redimido, o tempo deve ser redimido e a matéria deve ser redimida. Depois de ter criado espaço, tempo e matéria, Deus viu que tudo era muito bom e, embora a redenção deste mundo da atual corrupção e decadência envolva transformações que não podemos imaginar, podemos ter certeza que Deus não irá dizer: "Bem, foi uma tentativa, fiz o possível, mas evidentemente não deu certo, de modo que vamos ter de trocar este mundo por outro, onde não haja espaço, tempo e matéria".

Porém, se Deus realmente deseja redimir o mundo e não rejeitá-lo, estamos diante de uma questão: como celebrar essa redenção, essa cura e essa transformação no presente, antecipando assim, de maneira adequada, a intenção final de Deus?

[...]

Tenho defendido a ideia de que a “igreja remodelada para a missão” deve ter sua missão moldada pela esperança; que a verdadeira esperança cristã, firmada na ressurreição de Jesus, é a esperança de renovação de todas as coisas, por meio de sua vitória sobre a corrupção, decadência e morte, e é suficiente para encher todo o universo com seu amor e graça, seu poder e sua glória.

Tenho levantado, também, a questão de que, para ser verdadeiramente eficaz nesse tipo de missão, a pessoa precisa estar completamente firmada na renovação do espaço, tempo e matéria realizada por Deus na vida da igreja.

Readaptando a mesma metáfora que já usei outras vezes, não se pode obter frutos de uma árvore cujas raízes têm sido constantemente podadas.

Não estou dizendo que, se a igreja tradicional vai bem, a missão irá acompanhá-la. As “igrejas tradicionais” têm se preocupado muito mais com a tradição do que com a igreja em si.

O que estou querendo dizer é: pense na esperança que nos é concedida pelo evangelho; reconheça a renovação da criação como o alvo de todas as coisas em Cristo e o empreendimento que já foi consumado na ressurreição; pratique obras de justiça, de beleza e de evangelismo, de renovação do espaço, tempo e matéria, como em antecipação ao propósito final e ao estabelecimento daquilo que Jesus conquistou em sua morte e ressurreição. 

Esse é o caminho para a genuína missão de Deus e para remodelar a igreja pela missão e para a missão.


quarta-feira, 6 de julho de 2016

Jesus inaugura uma nova criação



Surpreendido pelas Escrituras, p. 33

Os quatro evangelhos, totalmente de acordo com Gênesis, Salmos, Isaías e o resto da Bíblia, falam de como Deus se tornou rei: como o Deus criador, em Jesus de Nazaré e por meio dele, iniciou seu projeto da nova criação para o mundo.

Em cada página, o que vemos é exatamente a nova criação: não apenas uma nova espiritualidade, sem um sistema para resgatar as pessoas deste mundo, mas um movimento do Espírito criativo de Deus – que ungiu Jesus, mas que também foi soprado por ele – por meio do qual as pessoas são chamadas a se tornarem seres humanos genuínos, resgatados de tudo o que atrapalha isso e, assim, preparados para levar adiante o plano divino da nova criação.

Mais uma vez, Deus está refazendo o mundo – não por uma intervenção que exclui tudo o que é natural, como afirmariam alguns esquemas sobrenaturais, nem por uma permissão estática para as causas naturais tomarem seu curso, como garantiram alguns esquemas evolutivos (incluindo alguns supostos esquemas evolutivos cristãos), mas pelo ato da nova criação redentora por meio do qual os seres humanos são capazes, mais uma vez, de refletir Deus para o mundo e o mundo, na adoração, para Deus.

Todo o projeto de Jesus é o de um novo templo, o que explica por que o templo de Jerusalém e, depois, os templos pagãos se tornaram tão problemáticos nos Evangelhos e em Atos.

É o projeto, em outras palavras, no qual céu e terra estão, finalmente, reunidos, com o governo soberano de Deus, estendendo-se assim na terra como no céu por meio da missão de Jesus, de modo culminante em sua morte e ressurreição, e depois, por meio da missão de seus seguidores, a qual tem o mesmo modelo e é movida pelo mesmo Espírito.


sexta-feira, 1 de julho de 2016

Evangelismo de Paulo em Atenas

Escola de Atenas - Raffaelo Sanzio, 1509

Atos 17 representa um dos grandes discursos evangelísticos de Paulo. Ao considerar nossa realidade atual, talvez possamos nos ver como Paulo em Atenas: entre ídolos e filosofias pagãs.

Como evangelizar nesse contexto? Como ser fiel ao evangelho, ao anunciar o Rei Jesus como Senhor e Salvador do mundo, sem desconsiderar a cultura?

Vamos, então, acompanhar algumas partes do comentário de Tom Wright sobre Atos 17.16-33 (em NT for Everyone). Será destacada a análise feita pelo autor do confronto de Paulo com as duas grandes escolas filosóficas de sua época (os Epicureus e os Estoicos), as quais ainda marcam a cosmovisão contemporânea.

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"Enquanto esperava por eles em Atenas, Paulo ficou profundamente indignado ao ver que a cidade estava cheia de ídolos. Por isso, discutia na sinagoga com judeus e com gregos tementes a Deus, bem como na praça principal, todos os dias, com aqueles que por ali se encontravam. Alguns filósofos epicureus e estoicos começaram a discutir com ele." (Atos 17.16-18)

Paulo entre os filósofos

Resumidamente, os epicureus sustentam uma teoria, de acordo com a qual, o mundo e os deuses estão muito distantes um do outro, com pouca ou nenhuma comunicação.

O resultado é que alguém deveria seguir a vida o melhor que pudesse, descobrindo como ganhar o máximo prazer de uma existência serena e tranquila.

Os estoicos, no entanto, acreditavam que a divindade está dentro do mundo presente e dentro de cada ser humano, a fim de que essa força divina, embora um tanto impessoal, pudesse ser descoberta e desfrutada.

Viver bem, humanamente falando (“virtude”) então, consistia em ficar em contato com essa “racionalidade” divina interior, bem como viver de acordo com ela.

O que um judeu ou um cristão poderia dizer para epicureus e estoicos? [...]

Os epicureus, como já foi dito, acreditavam que os deuses, se eles existissem, estavam muito distantes, e não tinham nada a fazer com os seres humanos. Como resultado, eles eram extremamente felizes; e se nós quisermos nos aproximar deles, o melhor que nós podemos fazer é moderar nossos desejos, não fazer nada que alimente nossas esperanças naturais ou medos, viver tão serenamente quanto possível com a quantidade certa de qualquer coisa. A vida ideal é independente, sem problemas, despreocupada em relação a questões maiores, incluindo o próprio destino de alguém.

Um epicureu, portanto, concordaria substancialmente com o rigoroso comentário de Paulo sobre a adoração pagã do povo, mas pela razão mais ou menos oposta ao que Paulo dá. Para os epicureus, os deuses estavam longe e não queriam nada conosco; para Paulo, Deus está muito próximo de nós, é o doador de tudo e aquele que nos busca apaixonadamente e deseja que o busquemos em retorno – e, dessa forma, não requer de nós sacrifícios de animais.

Paulo concorda com os epicureus que Deus e o mundo não são a mesma coisa. Mas ele confronta os líderes epicuristas quando ele diz que Deus não está distante de nenhum de nós, e anseia por um relacionamento de amor com todas as suas criaturas humanas.

[Com os argumentos de Paulo], os epicureus estariam fascinados, chocados, irritados talvez, mas ávidos o suficiente para querer ouvir mais.

Os estoicos, por contraste, estariam felizes em ouvir que existe uma vida divina, a qual está em todo ser humano, embora Paulo a tenha identificado com o fôlego de vida, diferente do frio princípio de logos (“racionalidade”). E os estoicos poderiam aceitar, do seu próprio jeito, a citação do poeta ateniense Arato, no verso 28: “porque todos somos sua descendência”.

Arato certamente quer dizer isso num sentido estoico; Paulo está lidando com uma linha fina aqui, entre demonstrar sua familiaridade com a cultura, convidando os estoicos para chegar ao limite com o que ele está dizendo, e oferecer algo bem novo e revolucionário.

Para Paulo, como um judeu, a ideia do ser humano como “filhos de Deus” tem haver com o ser feito à imagem de Deus (ele não tem em mente, aqui, a noção especificamente cristã de crentes como filhos e filhas adotados, como em Gl 4,4-7).

Para os panteístas estoicos, em outras palavras, Paulo declara que Deus e o mundo não são a mesma coisa, mas que o impulso que leva você a supor que eles são a mesma coisa, é um impulso verdadeiro, o qual deveria levar você a alcançar e se apegar ao Deus real, que, com certeza, não está longe.

Os estoicos, como os epicureus, são, assim, desafiados, encorajados, provocados e, talvez, levados a considerar a questão mais de perto.

Mas o momento realmente impactante, é claro, foi deixado para o fim. 

Com certeza, a construção do argumento como um todo, a discussão cuidadosa de quem Deus realmente é e sua relação com o mundo, a crítica padrão judaica de idolatria e dos templos, conjugada com o uso criativo da cor local – tudo isso parece assegurar que, quando Paulo finalmente conseguir explicar sua “divindade estrangeira” como Jesus e a ressurreição, terá ao menos uma pequena chance de alguém entender o que ele está dizendo. [...]

Mas Deus [criador], declara Paulo, estabeleceu um tempo para fazer o que a tradição judaica sempre disse que ele faria, o que, com certeza, ele deve fazer se ele é, com certeza, o bom e sábio criador: ele colocará o mundo em ordem, chamará ele para prestar contas; em outras palavras, julgará o mundo no pleno, hebraico e bíblico sentido.

E o Deus criador fará isso através de um homem em particular, o qual ele tem selecionado para uma tarefa: o próprio Jesus [embora o nome de Jesus não seja mencionado no discurso de Paulo]. Como nós sabemos que Jesus está vindo julgar? Porque, diz Paulo, Deus o ressuscitou dos mortos.

É importante notar que [...] a ressurreição é categoricamente rejeitada nas regras básicas do Areópago. Paulo, firmemente, vira as costas para isso. A ressurreição é o eixo através do qual o mundo gira. [...] 

Com a ressurreição de Jesus, inicia o novo mundo de Deus. Em outras palavras, ser ressuscitado dos mortos é o start, o caso paradigmático, a fundação, o começo do grande “conserto”, o qual Deus fará no cosmos inteiro no fim. O corpo ressurreto de Jesus é aquele pedaço do universo físico que já tem sido “consertado”. Jesus é, portanto, aquele através do qual tudo mais será “consertado”.

O desafio duplo, então, é: primeiro, arrependimento. Mude seu caminho, particularmente seu caminho de idolatria, sua suposição de que os deuses podem ser feitos de ouro ou prata, ou que eles vivem em casas feitas por mãos humanas, ou que eles querem ou necessitam de sacrifícios de animais. Fuja dessas coisas, desista delas, livre-se delas. 

E segundo, volte-se para o Deus vivo (veja 1Ts 1.9), busque por ele e o encontre (At 17.27). Você apenas fará isso se você abandonar as paródias, os ídolos que ficam no caminho e distraem você do verdadeiro Deus. Isso pode ser feito. Isso pode ser feito porque o Deus vivo está em ação, mudando os tempos e as estações a fim de que, agora, o dia da ignorância tenha terminado e o tempo de revelar a verdade tenha chegado.