sexta-feira, 1 de julho de 2016

Evangelismo de Paulo em Atenas

Escola de Atenas - Raffaelo Sanzio, 1509

Atos 17 representa um dos grandes discursos evangelísticos de Paulo. Ao considerar nossa realidade atual, talvez possamos nos ver como Paulo em Atenas: entre ídolos e filosofias pagãs.

Como evangelizar nesse contexto? Como ser fiel ao evangelho, ao anunciar o Rei Jesus como Senhor e Salvador do mundo, sem desconsiderar a cultura?

Vamos, então, acompanhar algumas partes do comentário de Tom Wright sobre Atos 17.16-33 (em NT for Everyone). Será destacada a análise feita pelo autor do confronto de Paulo com as duas grandes escolas filosóficas de sua época (os Epicureus e os Estoicos), as quais ainda marcam a cosmovisão contemporânea.

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"Enquanto esperava por eles em Atenas, Paulo ficou profundamente indignado ao ver que a cidade estava cheia de ídolos. Por isso, discutia na sinagoga com judeus e com gregos tementes a Deus, bem como na praça principal, todos os dias, com aqueles que por ali se encontravam. Alguns filósofos epicureus e estoicos começaram a discutir com ele." (Atos 17.16-18)

Paulo entre os filósofos

Resumidamente, os epicureus sustentam uma teoria, de acordo com a qual, o mundo e os deuses estão muito distantes um do outro, com pouca ou nenhuma comunicação.

O resultado é que alguém deveria seguir a vida o melhor que pudesse, descobrindo como ganhar o máximo prazer de uma existência serena e tranquila.

Os estoicos, no entanto, acreditavam que a divindade está dentro do mundo presente e dentro de cada ser humano, a fim de que essa força divina, embora um tanto impessoal, pudesse ser descoberta e desfrutada.

Viver bem, humanamente falando (“virtude”) então, consistia em ficar em contato com essa “racionalidade” divina interior, bem como viver de acordo com ela.

O que um judeu ou um cristão poderia dizer para epicureus e estoicos? [...]

Os epicureus, como já foi dito, acreditavam que os deuses, se eles existissem, estavam muito distantes, e não tinham nada a fazer com os seres humanos. Como resultado, eles eram extremamente felizes; e se nós quisermos nos aproximar deles, o melhor que nós podemos fazer é moderar nossos desejos, não fazer nada que alimente nossas esperanças naturais ou medos, viver tão serenamente quanto possível com a quantidade certa de qualquer coisa. A vida ideal é independente, sem problemas, despreocupada em relação a questões maiores, incluindo o próprio destino de alguém.

Um epicureu, portanto, concordaria substancialmente com o rigoroso comentário de Paulo sobre a adoração pagã do povo, mas pela razão mais ou menos oposta ao que Paulo dá. Para os epicureus, os deuses estavam longe e não queriam nada conosco; para Paulo, Deus está muito próximo de nós, é o doador de tudo e aquele que nos busca apaixonadamente e deseja que o busquemos em retorno – e, dessa forma, não requer de nós sacrifícios de animais.

Paulo concorda com os epicureus que Deus e o mundo não são a mesma coisa. Mas ele confronta os líderes epicuristas quando ele diz que Deus não está distante de nenhum de nós, e anseia por um relacionamento de amor com todas as suas criaturas humanas.

[Com os argumentos de Paulo], os epicureus estariam fascinados, chocados, irritados talvez, mas ávidos o suficiente para querer ouvir mais.

Os estoicos, por contraste, estariam felizes em ouvir que existe uma vida divina, a qual está em todo ser humano, embora Paulo a tenha identificado com o fôlego de vida, diferente do frio princípio de logos (“racionalidade”). E os estoicos poderiam aceitar, do seu próprio jeito, a citação do poeta ateniense Arato, no verso 28: “porque todos somos sua descendência”.

Arato certamente quer dizer isso num sentido estoico; Paulo está lidando com uma linha fina aqui, entre demonstrar sua familiaridade com a cultura, convidando os estoicos para chegar ao limite com o que ele está dizendo, e oferecer algo bem novo e revolucionário.

Para Paulo, como um judeu, a ideia do ser humano como “filhos de Deus” tem haver com o ser feito à imagem de Deus (ele não tem em mente, aqui, a noção especificamente cristã de crentes como filhos e filhas adotados, como em Gl 4,4-7).

Para os panteístas estoicos, em outras palavras, Paulo declara que Deus e o mundo não são a mesma coisa, mas que o impulso que leva você a supor que eles são a mesma coisa, é um impulso verdadeiro, o qual deveria levar você a alcançar e se apegar ao Deus real, que, com certeza, não está longe.

Os estoicos, como os epicureus, são, assim, desafiados, encorajados, provocados e, talvez, levados a considerar a questão mais de perto.

Mas o momento realmente impactante, é claro, foi deixado para o fim. 

Com certeza, a construção do argumento como um todo, a discussão cuidadosa de quem Deus realmente é e sua relação com o mundo, a crítica padrão judaica de idolatria e dos templos, conjugada com o uso criativo da cor local – tudo isso parece assegurar que, quando Paulo finalmente conseguir explicar sua “divindade estrangeira” como Jesus e a ressurreição, terá ao menos uma pequena chance de alguém entender o que ele está dizendo. [...]

Mas Deus [criador], declara Paulo, estabeleceu um tempo para fazer o que a tradição judaica sempre disse que ele faria, o que, com certeza, ele deve fazer se ele é, com certeza, o bom e sábio criador: ele colocará o mundo em ordem, chamará ele para prestar contas; em outras palavras, julgará o mundo no pleno, hebraico e bíblico sentido.

E o Deus criador fará isso através de um homem em particular, o qual ele tem selecionado para uma tarefa: o próprio Jesus [embora o nome de Jesus não seja mencionado no discurso de Paulo]. Como nós sabemos que Jesus está vindo julgar? Porque, diz Paulo, Deus o ressuscitou dos mortos.

É importante notar que [...] a ressurreição é categoricamente rejeitada nas regras básicas do Areópago. Paulo, firmemente, vira as costas para isso. A ressurreição é o eixo através do qual o mundo gira. [...] 

Com a ressurreição de Jesus, inicia o novo mundo de Deus. Em outras palavras, ser ressuscitado dos mortos é o start, o caso paradigmático, a fundação, o começo do grande “conserto”, o qual Deus fará no cosmos inteiro no fim. O corpo ressurreto de Jesus é aquele pedaço do universo físico que já tem sido “consertado”. Jesus é, portanto, aquele através do qual tudo mais será “consertado”.

O desafio duplo, então, é: primeiro, arrependimento. Mude seu caminho, particularmente seu caminho de idolatria, sua suposição de que os deuses podem ser feitos de ouro ou prata, ou que eles vivem em casas feitas por mãos humanas, ou que eles querem ou necessitam de sacrifícios de animais. Fuja dessas coisas, desista delas, livre-se delas. 

E segundo, volte-se para o Deus vivo (veja 1Ts 1.9), busque por ele e o encontre (At 17.27). Você apenas fará isso se você abandonar as paródias, os ídolos que ficam no caminho e distraem você do verdadeiro Deus. Isso pode ser feito. Isso pode ser feito porque o Deus vivo está em ação, mudando os tempos e as estações a fim de que, agora, o dia da ignorância tenha terminado e o tempo de revelar a verdade tenha chegado.


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