quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Jesus acalma a tempestade

35 Naquele dia, ao anoitecer, disse ele aos seus discípulos: “Vamos para o outro lado”. 36 Deixando a multidão, eles o levaram no barco, assim como estava. Outros barcos também o acompanhavam. 37 Levantou-se um forte vendaval, e as ondas se lançavam sobre o barco, de forma que este ia se enchendo de água. 38 Jesus estava na popa, dormindo com a cabeça sobre um travesseiro. Os discípulos o acordaram e clamaram: “Mestre, não te importas que morramos?” 39 Ele se levantou, repreendeu o vento e disse ao mar: “Aquiete-se! Acalme-se!” O vento se aquietou, e fez-se completa bonança. 40 Então perguntou aos seus discípulos: “Por que vocês estão com tanto medo? Ainda não têm fé?” 41 Eles estavam apavorados e perguntavam uns aos outros: “Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?”

Resumo de NT for everyone

(Evangelho de Marcos 4.35-41)

Lá está um pequeno barco em perigo no mar.

Mas, a história relatada em Marcos não é apenas sobre perigo e resgate. Atrás de histórias como essa, os seus leitores ouvem antigos ecos.

Pensam sobre Jonas. Ao invés de fazer o que Deus está dizendo, ele navega para a direção errada; uma grande tempestade surge e é apenas acalmada quando os marinheiros o jogam ao mar.

Pensam sobre os hebreus em fuga do Egito, quando Deus fez um caminho através do mar.

Pensam sobre as histórias da criação, quando a ordem de Deus, o novo mundo de Deus, emerge do escuro mar primevo.

Pensam nos Salmos, também. Eles relatam sobre o Deus criador que governa a fúria do mar e diz para que suas ameaçadoras ondas se aquietem (ex. 65.7; 89.9; 93.3-4; 107.23-30).

Coloque esses quadros juntos e o que você tem?

Os judeus não eram bons marinheiros; eles deixaram essa habilidade para os seus vizinhos do norte, os fenícios.

O mar, então, veio a simbolizar o escuro poder do mal, ameaçando destruir a boa criação de Deus, o povo de Deus, os propósitos de Deus. Em livros como o de Daniel, o mar é de onde vêm os monstros.

Portanto, quando Jesus resgata os discípulos da tempestade, ele aponta para o que as parábolas sobre o semeador (versículos anteriores) dizem: o poder soberano de Deus foi liberado; o reino de Deus chegou.

E não é como as pessoas pensavam que seria. Mas é real. É o mesmo poder que fez o mundo. E esse poder está agora vivendo em Jesus e agindo através dele.

Como em Daniel 7, onde alguém “como um filho do homem” derrota os monstros vindos do mar.

E ele não é como Jonas, fugindo da ordem de Deus. Então, os discípulos não precisam atirá-lo ao mar.

Assim, apesar da fúria e ameaça das forças do mal, Jesus está confiante da presença e do poder de Deus, a ponto de dormir em um travesseiro. 

Os discípulos, porém, intervêm: “não te importas que morramos?”

Perceba que Marcos está nos levando em direção ao capítulo 8 [para a confissão de Pedro]: vocês não tem fé? (cf. v.40)

Ouvimos essa mesma voz vinda da cruz: por que estão com medo? Não tem fé?. No terceiro dia, a tempestade está quieta, a tumba está vazia e grande medo vem sobre todos. Quem, então, é esse? [cf. contraste com v.41]

Essa história, portanto, será sua história se você se der conta dela, gostando ou não. Vento e tempestade virão em seu caminho. O poder do mal foi quebrado na cruz e na tumba vazia, mas seu som agudo ainda se faz ouvir. Cristãos (a igreja como um todo, igrejas locais aqui e ali, cristãos individuais) podem se machucar ou mesmo morrer como resultado.

Os primeiros leitores de Marcos provavelmente sabiam disso melhor do que a maioria de nós. Eles teriam se identificado facilmente com os amedrontados homens no barco.

Esse é o convite de Marcos para todos nós: OK! Vá em frente, acorde Jesus, ore a ele em seu medo e ira. E não se surpreenda quando ele se virar para você, com uma tempestade de pano de fundo, e perguntar quando você terá alguma fé real.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

A parábola do semeador


Resumo de NT for everyone
  
(Evangelho de Marcos – Mc 4.1-20)

As parábolas de Jesus são como sonhos que precisam ser interpretados. Como símbolos de nações ou charges em jornais, elas só fazem sentido se conhecemos seu fundo histórico.

A parábola do semeador tem seu pano de fundo a partir da cosmovisão bíblica. O semeador semeando não é apenas um quadro familiar do cotidiano da vida rural. É um quadro de Deus semeando novamente o povo de Israel em sua própria terra, após os longos anos no exílio. É um quadro de Deus restaurando a sorte de seu povo, fazendo o agricultor frutificar após muito tempo produzindo abrolhos e espinhos.

Existe aqui, a imagem da restauração do jardim do Éden. 

E existe, também, a profecia de Isaías 40.8 e 55.10-11, a qual mostra a palavra se tornando frutífera, apesar da flor murchar e da erva secar.

O problema (e essa parece ser a principal razão de Jesus ensinar em parábolas) é que a visão de Jesus de como Deus estava semeando sua palavra era, como nós poderíamos dizer hoje, politicamente incorreta.

O povo esperava uma renovação impactante de Israel através do Messias. O reino de Deus explodiria no mundo em uma chama de glória e poder.

Não, declara Jesus. Esse reino se parece mais como um agricultor semeando sementes, onde muitas, aparentemente, serão desperdiçadas, porque o solo não está pronto para elas e não pode sustentá-las.

Para quem conhece a interpretação dos sonhos da época, era uma má notícia para eles. A parábola não é apenas para mostrar a receptividade à mensagem de um pregador, mas é o anúncio e inauguração do reino através de uma charge política subversiva.

Jesus está dando um aviso codificado de que pertencer ao reino de Deus não é automático. Ele está vindo, mas de um jeito diferente do esperado.

Tudo que Jesus fez criou uma divisão dentro de Israel de seus dias. As parábolas não apenas explicam isso, mas são também parte do processo. Elas operam como uma versão muito bem focada do ministério inteiro de Jesus. E Jesus, aqui, não conta apenas o sonho, mas dá a interpretação. Ele não está apenas mostrando a charge, mas explicando o código. Mas os que não são discípulos, embora fascinados pela história, não conseguem entender.

Por que não? Jesus não quer que todo mundo capture a mensagem? Sim e não. O que ele está dizendo é como dinamite e não poderia ser dito abertamente pelas ruas.

Todo movimento que implicava o “reino” já era perigoso por si só (seria visto com preocupação pelas autoridades romanas). E como a mensagem de Jesus era radicalmente diferente do que a maioria das pessoas comuns queria e esperava, era provável que elas ficariam furiosas também.

É um mistério (v.11) que só pode ser entendido se você crê, se você confia.

Para nós hoje, a parábola diz muito sobre como a mensagem de Jesus funciona entre os ouvintes. Mas também sobre o que a mensagem era: a dramática e subversiva renovação de Israel e do mundo.

É, ainda, um desafio para a nossa pregação do reino: o que estamos pregando de tão subversivo e politicamente incorreto que se faz necessário usar uma linguagem de sonhos ou códigos culturais? Ou nossa pregação não está ajustada à mensagem do reino?

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Acerca do "mundo" que nos odeia...

A seguir, uma reflexão pessoal de João 15.18-19, a partir da leitura do comentário bíblico “NT for Everyone”.



“18 Se o mundo os odeia, tenham em mente que antes me odiou. 19 Se vocês pertencessem ao mundo, ele os amaria como se fossem dele. Todavia, vocês não são do mundo, mas eu os escolhi, tirando-os do mundo; por isso o mundo os odeia.”

Em João 15.18, Jesus adverte aos discípulos que o mundo vai odiá-los.

Mas quem era esse “mundo”, afinal?

Era o mundo pagão, da cultura grega e romana; o mundo de César?

Não!

Segundo Tom Wright, "o mundo referido por Jesus era o mundo onde ele havia nascido e vivido, o mundo da Galiléia e Jerusalém, de galileus e judeus. Era o mundo dos filhos de Abrãao, pessoas que estudavam e conheciam a Lei de Moisés. Era o mundo que pensava a cerca de si mesmo como o povo de Deus. Esse era o mundo que olhava para Jesus e via o que ele fazia; ouvia o que ele dizia e respondia: não, obrigado! Esse era o mundo que viu o cego ser curado e permaneceu cego". (João 9)

É possível depreender, a partir dessa análise, que uma das questões proposta por Jesus aos discípulos foi a redefinação de sua cosmovisão. Em outras palavras, Jesus está revolucionando a forma através do qual os seus seguidores devem enxergar o mundo. 

O sistema religioso onde eles foram criados e formatados estava equivocado. As Escrituras e as promessas de Deus foram deturpadas. “Creiam na Boa Notícia”, anunciava Jesus. “O reino de Deus chegou! Arrependam-se; abandonem o sistema antigo e vivam a nova realidade que será estabelecida em e através de mim.” (cf. Marcos 1.15).

Com certeza, os grandes conflitos de Jesus eram com os religiosos, afinal, ele veio para as “ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10.6; 15.24). A imagem da “videira verdadeira” (v.15.1), a qual simbolizava o verdadeiro Israel, contrastava com a videira que não frutificava adequadamente (Isaías 5). 

Observe, então, que os mestres do mundo onde Jesus foi formado não atentaram para as advertências dos profetas. Agora, a “videira verdadeira” vem para revelar o real projeto de Deus para salvar o mundo inteiro. E esse projeto é diferente daquilo que eles pensavam. 

O Messias veio com uma mensagem para amar os inimigos e não para destruí-los; para caminhar a segunda milha e não buscar os seus próprios interesses; para dar a outra face e estabelecer a nova era do perdão e não buscar a vingança impulsiva; para conquistar pela subversão e não pela coerção. 

E mais, Jesus ensinava que o Messias iria conquistar seu objetivo através de sua morte e ressurreição e estabelecer o seu reino de amor pela graça e não pela lei.

Isso era demais para eles. Por isso, o “mundo” odiará os discípulos como odiou a Jesus. Discípulos tendem a seguir as orientações do Mestre. 

Sempre que a visão de mundo de alguém é desafiada, gerará inconformidade. A luta odiosa será pela manutenção da estrutura vigente. O mundo é resistente à mudança.

Isso nos leva a um importante detalhe que geralmente nos escapa.

“Vocês não são desse mundo?” (v.19)

Para Wright, "a tradução desse texto na maioria das versões da Bíblia nos induz a pensar equivocadamente. No grego, a expressão ek tou kosmou toutou significa 'vem desse mundo' e não 'é desse mundo'”. 

O reino de Jesus, então, não veio desse mundo, ou seja, não se origina no contexto da cosmovisão e da ordem do mundo vigente.

Isso nos leva a perceber que não existe uma guerra entre pessoas “espirituais” e pessoas “mundanas”. O mundo não é um simples "inimigo", mas um contexto que necessita ser redimido em Jesus. 

Esse tipo de pensamento dualista é alimentado pela ideia de que habitamos em um mundo mal, cujo destino será a destruição, enquanto alguns privilegiados serão levados para outro lugar, no céu. 

Há muito a falar sobre isso, mas é importante lembrar que a Nova Jerusalém desce do céu e se estabelece na terra (Ap 21.1-2). 

O futuro do mundo, portanto, é a nova criação conquistada em e através de Jesus. Os que estão em Cristo, são surpreendidos pela esperança da ressurreição (cf. "Surpreendido pela Esperança").

A orientação para os discípulos não é para eles se manterem afastados do mundo como um grupo privilegiado de salvos. Como a oração de Jesus diz, os discípulos não devem ser retirados do mundo, mas serem livres do mal (Jo 17.15). 

Wright complementa: "Como o reino do próprio Jesus (João 18.36), os discípulos são para o mundo. Ele são enviados para dentro dele, como Jesus foi, a fim de serem testemunhas do amor de Deus e implementar a sua vitória.".

Ainda: "Aqueles que seguem a Jesus se encontrarão em uma situação única, encarando tanto perigos como oportunidades. Felizmente, eles não ficarão sozinhos. O 'auxiliador' (João 14.16), o Espírito da verdade, virá do Pai e viverá neles, falará a eles e ao mundo através deles, quem Jesus realmente era e é.". 

Ser seguidor de Jesus, assim, implica em falar sobre Jesus ao mundo. O mundo não gostará, mas deverá ser feito. Esse é o desafio de Jesus para todos nós.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Sobre a pregação


Entrevista com N.T. Wright sobre pregação

http://reveziolima.blogspot.com.br/2008/11/ferramentas-para-pregao.html

Há alguns meses o autor e pastor Winn Collier contatou a www.preachingtoday.com informando-a de que tinha uma entrevista agendada com o autor, intelectual e pastor N. T. Wright e perguntou se tínhamos interesse em publicá-la. “Sim!”, eu respondi. “E não se esqueça de perguntar a ele sobre os sermões.” Foi o que Collier fez. Por meio dessa entrevista Wright nos forneceu uma breve, porém interessante perspectiva sobre seu processo de preparação de sermões.

Como a sua visão teológica influencia a sua maneira de pregar?

Não sou o tipo de pregador altamente reflexivo a respeito daquilo que geralmente escrevo para os meus sermões. Não penso no que estou fazendo de uma forma estruturada – simplesmente acontece. Tenho feito dessa maneira há muito tempo: faço minhas orações, estudo as passagens sobre as quais vou pregar e, então, é como se as idéias fossem brotando de dentro para fora, e, conforme estou orando, compreendo ou pelo menos tento discernir sobre o que supostamente irei falar. Existem diferentes tipos de sermões, e quando chega a hora simplesmente acontece. Mas realmente acredito que desde que comecei a refletir a respeito da ressurreição e da justiça, vejo que as minhas pregações através dos últimos anos têm sido direcionadas especificamente para temas sociais como a perseguição de cristãos em certos países, a infelicidade das pessoas e o aquecimento global. Todos estes temas fazem parte da criação perfeita de Deus que está em sofrimento, e é a eles que a mensagem de ressurreição precisa chegar. Por isso, às vezes me pego saindo direto de João 20 para algum assunto do momento. Isso não tem muito a ver com o tipo de pregação, é apenas o conteúdo.

Você tem um estilo particular de pregação?

Realmente não sei. Provavelmente sim; creio que meus amigos podem esclarecer isso melhor. Talvez eu tente dizer muita coisa para um sermão comum. Tento ser expositivo, mas não do tipo que diz que “o verso um diz isso” ou o “verso dois diz aquilo” – mas mergulho fundo na passagem e volto por um ângulo oblíquo de maneira que possa levar as pessoas a pensar certas coisas e a imaginar algumas cenas. Assim, quando elas percebem já estão no meio da passagem, e conseguem entender sobre o que estou falando. Isso é o que espero de um método: que ele sirva para levar pessoas até o ponto em que possam despertar e se surpreenderem por estar bem no meio de João 20 ou de outro trecho qualquer da Bíblia. É dessa maneira que encaro um sermão, e isso é sempre muito estimulante.

Você diz que “para viver no mundo que Deus criou é necessário usar a imaginação”. Certamente a ressurreição e o avivamento de todas as coisas ampliam a imaginação humana. Como você incentiva a imaginação em suas pregações?

Bom, talvez eu não incentive tanto quanto deveria. Porém, tento fazê-lo através de ilustrações e alusões à arte e à música, a fim de ampliar os horizontes das pessoas para que consigam enxergar outros mundos maiores que não sejam nem, a) o mundo secular em que vivem todos os dias sem se aperceberem, e nem b) o mundo das puras idéias da teologia cristã. Em outras palavras, tento encorajá-las a imaginar trechos de músicas ou de qualquer outra coisa que descortine a visão de novos mundos que estão bem à sua frente. Também costumo usar histórias ilustrativas. Faço isso em minhas pequenas séries sobre o Novo Testamento, em que cada passagem começa com uma historinha. É extraordinário como isso ajuda as pessoas a entenderem melhor. Geralmente são histórias simples, coisas do dia-a-dia; mas as pessoas dizem que “elas realmente me ajudaram a ‘entrar’ na passagem e viver em um mundo imaginário”. Um grande artista, naturalmente, faz esse tipo de coisa. C.S. Lewis faz isso em O grande abismo, onde ele pinta um quadro de um mundo mais real, mais físico e mais sólido do que aquele em que vivemos. O mais interessante é que ele torna esse mundo crível. Este é um feito extraordinário, pois não são muitas as pessoas que tentaram fazer isto, e ainda menor é o número daquelas que conseguiram. Uma mensagem deve trazer para a congregação a mesma sensação que você tem depois de ouvir uma sinfonia ou caminhar por uma galeria de arte.

Você desafia a igreja a pensar profunda e ricamente sobre arte, dizendo que “Talvez a arte possa (...) vislumbrar futuras possibilidades geradas no tempo presente”. Você acredita que – assim como escrever, pintar ou tocar um instrumento – pregar possa ser uma forma de arte?

Pregar é uma forma de arte desde que permitam que seja. Muitos pregadores, tanto de igrejas conservadoras quanto de igrejas modernas, ficam presos a uma forma particular de pregar que talvez não seja arte, sendo simplesmente mais da mesma coisa. Em sua melhor forma, uma mensagem deve trazer para a congregação a mesma sensação que se tem depois de ouvir uma sinfonia ou de caminhar por uma galeria de arte. Ouvi um sermão maravilhoso de meu colega, o Deão de Durham, na Manhã de Oração do Domingo de Páscoa. Ele trouxe um poema e falou de sua recente viagem ao Egito; e fez com estes dois elementos um mosaico, a partir do qual chegou até a história da Páscoa. Foi extraordinário. Estávamos vendo a história sob um novo ponto de vista. Ainda tenho o sermão em minha mente. Um sermão que faz isso pelas pessoas é uma verdadeira dádiva; como uma peça de música ou um poema.

Em outra oportunidade, você mencionou que “é preciso que falemos sobre Deus. O que significa dizer que temos que fitar o sol”. Então alguém poderia pensar que para pregar, obrigatoriamente, temos que falar sobre Deus. Como fazer com que nossas mensagens conduzam as pessoas na ousada e ofuscante prática de encarar o sol?

Felizmente, quando digo que encaramos o sol é porque estamos falando sobre Jesus. Nós, pregadores, nunca falaremos o suficiente a respeito de Cristo. Precisamos lembrar a nós mesmos de que quando falamos sobre Jesus também estamos falando sobre Deus. O Novo Testamento diz que por nossa própria conta não podemos saber exatamente quem é Deus. Podemos ter varias idéias a respeito dele, mas ele é revelado através de Jesus. Precisamos educar as pessoas para pensarem novamente no significado da palavra Deus, compreendendo-a a partir de Jesus. Isso é muito difícil por que geralmente as pessoas têm em suas mentes e em seus corações conceitos sobre Deus vindos de várias fontes. Mas essas noções de Deus dificilmente estão relacionadas a Jesus. O perigo reside em que as pessoas tentem relacionar Jesus àquelas imagens de Deus que já possuem, em vez de relacioná-lo da maneira correta. É por isso que sempre precisamos nos voltar em direção a Jesus, e lembrar-nos que ele é o único por quem o mundo foi feito e para quem o mundo foi feito. O grande autor de tudo isso é aquele a quem Jesus orou dizendo “Abba”. Por esta razão, em Jesus podemos começar a conhecer Deus como nosso Abba Pai e experimentar sua presença paternal junto a nós, e com isso nos aproximarmos do mistério, que é orar.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Sobre os Salmos


Segundo E. Peterson, os Salmos são a escola de oração do povo de Deus (cf. "A oração que Deus ouve"). Embora muitos cristãos os usem de maneira seletiva (escolhem apenas passagens específicas como palavras de encorajamento), seu propósito maior é nos ensinar a orar. Isso quer dizer que todos os salmos e o salmo todo devem ser nosso guia devocional. Podemos dizer, assim, que os Salmos são um dos pilares de nossa espiritualidade.

No livro "The case for the Psalms: why they are essential" (Em defesa dos Salmos: porque eles são essenciais), Tom Wright não só reafirma a importância dos salmos como desvenda uma de suas principais funções: a mudança da cosmovisão (como enxergamos o mundo). Como ele mesmo diz, "eu proponho nesse livro que orar e cantar regularmente os Salmos é transformador. Ele muda a maneira de nós entendermos alguns dos mais profundos elementos de quem nós somos, ou melhor, quem, onde, quando e o que nós somos: criaturas de espaço, tempo e matéria." (pg. 7).

Os salmos, na época de Jesus, eram como "hinários" memorizados desde a infância e, com certeza, formaram a vida de Jesus e de Paulo, bem como dos primeiros cristãos: "O que Jesus cria e entendia sobre a sua própria identidade e vocação, e o que Paulo veio a acreditar sobre a conquista única de Jesus, foi crida e entendida dentro de um mundo formatado pelos salmos. Essa mesma formatação, incrivelmente, está disponível para nós hoje." (pg.11).

Wright trata sobre o tema da cosmovisão em vários de seus trabalhos. Particularmente, em "Surpreendido pelas Escrituras" (cap.1 e 7), percebe-se como a cosmovisão contemporânea e cristã teve influência de fontes diferentes da Bíblia. Uma delas é o iluminismo.

Acredita-se, nessa perspectiva, que o mundo virou à esquina definitivamente no século XVIII, a partir da revolução francesa, quando abandonou suas superstições e mentalidade submergida nas trevas da idade média e se direcionou para a luz da sabedoria humana. Assim, tudo o que vem antes deveria ser entendido como ultrapassado e o que a humanidade construiria a partir disso seria considerado caminho para a evolução.

Claro, muitas descobertas científicas e tecnologias ajudaram a solidificar esse pensamento, bem como as guerras, a instabilidade ecológica e a miséria ainda presente no mundo trouxeram um questionamento de sua validade. Mas, de maneira prática, a cosmovisão do Deus criador revelado em Jesus foi desconsiderado. Sem perceber, concebemos um mundo com Deus distante, que apenas interfere em situações especiais. A ética e a unidade cristã, tão caras para Jesus e para Paulo, recebe concessões a todo momento. A esperança, muitas vezes, é trocada pela indiferença ou pelo medo.

É interessante perceber que o iluminismo se utiliza de uma antiga filosofia (epicurismo) para formatar uma realidade forjada pela força do ser humano, sem a interferência dos "deuses" antigos ou do próprio Deus revelado em Cristo. Isso é uma longa história que merece ser comentada em outro momento. 

A dificuldade, portanto, que nós temos para superar a cosmovisão que nos foi legada é real. Graças a Deus pela herança dos salmos.

Mas, como os salmos transformam a cosmovisão? Como podemos usá-los na prática?

Isso será tema para outra postagem.

Que Deus abençoe nossa jornada junto com os salmos.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Quem é N.T. Wright?

http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/333/heresia-uma-palavra-que-nao-combina-com-n-t-wright

Texto de Timóteo Carriker

Gosto muito de surfar. Neste esporte, Kelly Slater, dez vezes campeão mundial, foi o atleta mais novo (20 anos) e também o mais velho (38 anos) a conquistar o título. Slater se destaca entre os mais próximos concorrentes. Essa é a impressão que se tem também ao escrever sobre a importância de Nicholas Thomas Wright.1
                

Quem é N. T. Wright?

Nascido em 1948, N. T. Wright é um dos estudiosos de Novo Testamento mais conhecidos e respeitados. A lista de suas qualificações e publicações é extensa. Além de dois doutorados acadêmicos, ele recebeu nove outros doutorados honorários das melhores universidades britâncias, canadenses e americanas. São mais de setenta livros publicados, centenas de artigos em revistas acadêmicas, entre outras, como também entrevistas para TV e rádio. É um homem da academia, tendo ensinado mais de vinte anos na Universidade de Oxford, na Inglaterra, e na Universidade McGill, no Canadá. É também homem da igreja, tendo servido na Igreja Anglicana como deão de Lichfield por cinco anos, teólogo cânone de Westminster e bispo de Durham durante sete anos.

Sua contribuição

Não é fácil classificar Wright. Grosso modo, ele representa os cristãos mais conservadores -- pelo menos em comparação com muitos liberais com os quais dialoga, como Marcus Borg, por exemplo. Entretanto, o campo de cristãos “conservadores” é bastante abrangente e entre eles Wright se identifica mais com os “evangelicais abertos”; concorda com alguns dos preceitos da “Nova Perspectiva sobre Paulo” e simpatiza com a busca histórica pela identificação da pessoa de Jesus, apesar de ser um crítico ferrenho do “Seminário de Jesus” -- grupo de historiadores e expositores bíblicos do Novo Testamento que procura identificar as fontes “autenticamente históricas” dos Evangelhos para descrever quem Jesus “realmente” era. Wright promove publicamente muitas posições evangélicas tradicionais, como a ressurreição corporal de Jesus, a segunda vinda do Filho de Deus, a morte substitutiva de Cristo, o pleno perdão por Deus em Cristo Jesus e, apesar da alegação contrária de alguns críticos, a justificação pela fé. Publicamente também denuncia o reconhecimento das uniões homossexuais como legítimas. Tudo isto é o que esperamos de líderes do mundo evangélico conservador. Porém, o que torna Wright diferente?

As contribuições de Wright são principalmente duas. A primeira é que ele procura entender e dialogar com “todos os estudiosos” do Novo Testamento, não apenas com os conservadores, o que é raro entre estudiosos conservadores do Novo Testamento. Apresenta a sua dívida para com “todos” eles como também sua crítica brilhante. Ou seja, não tem medo de aprender e aproveitar ideias acertadas daqueles que alguns conservadores consideram “campo inimigo”. Essa atitude tem um preço. Por um lado, ele é mal interpretado, às vezes a ponto de ser acusado de heresia,2 como se abraçasse ideias liberais. Por outro, é taxado de fundamentalista por alguns liberais. Entretanto, a busca pela verdade exige que os julgamentos sejam adiados até que o material seja adequadamente examinado. Assim, Wright é um modelo de estudioso que procura objetividade e imparcialidade nas suas pesquisas -- características raras na guilda de teólogos.

A segunda -- e a maior -- contribuição de Wright está nas suas propostas a respeito do Jesus histórico. Não há espaço aqui para elaborá-las e talvez não seja necessário fazê-lo. Basta dizer que ele aproveita uma vasta literatura das últimas décadas que avançou significativamente no conhecimento do pano de fundo judaico de Jesus, a fim de situá-lo “dentro” deste contexto.

É estranho que alguns críticos de N. T. Wright avisem os leitores sobre os “perigos do enfoque excessivo no contexto judaico” ao se estudar sobre Jesus; preferem o contexto da Reforma Protestante para esclarecer quem era Jesus e qual era a sua missão. Hoje, os melhores expositores bíblicos não medem esforços para entender Jesus, o seu ensino e as suas ações dentro do pano de fundo judaico da sua época. Por que este Jesus “histórico” é melhor que o Jesus dos reformadores? Ora, estes exerceram um papel crucial para tirar a roupagem medieval do Jesus da tradição católica. No entanto, não tiveram acesso a centenas de documentos contemporâneos de Jesus, os quais temos hoje e nos ajudam a enxergá-lo mais próximo do seu contexto histórico. Negar isto é simplesmente “enfiar a cabeça no buraco”. Dar conta disto é tarefa complexa e árdua, que envolve debates e teorias que têm sido testados ao longo do último século. Wright é uma luz brilhante nesse processo.

Sua produção

Talvez a sua produção mais significativa seja a série de seis volumes intitulada “Origens Cristãs e a Questão de Deus”, com três volumes publicados: “O Novo Testamento e o Povo de Deus” (1992), “Jesus e a Vitória de Deus” (1996) e “A Ressurreição do Filho de Deus” (2003). O quarto volume, “Paulo e a Justiça de Deus”, será lançado nos próximos meses.3

Cada volume tem em torno de setecentas a oitocentas páginas e a contribuição dada já posicionou Wright como o estudioso do Novo Testamento mais importante do século para muitos biblistas conservadores e liberais. A obra tem influenciado os estudiosos do Novo Testamento tanto quanto os escritos de Rudolf Bultmann o fizeram no século passado. Para Gordon Fee, por exemplo, conhecido expositor conservador e pentecostal do Novo Testamento, Wright é a maior influência de sua vida acadêmica.

Apesar disso, ou talvez por causa disso, há controvérsias de toda sorte. Afinal, as suas mais de 20 mil páginas não podem agradar a todos. Dezenas de críticos de Wright, os quais tenho acompanhado, reconhecem a sua contribuição à compreensão do Novo Testamento, ainda que discordando dele em alguns pontos. Contudo, alguns avaliam-na de modo diferente.

Arauto ou herege?

Faço aqui uma distinção não inteiramente justa. Há teólogos que querem promover a fé cristã e outros que não se importam com isso. Interessa-nos os primeiros. Para estes, há basicamente duas maneiras de promovê-la: citando as doutrinas consagradas pelos principais credos e, ou, teólogos do seu grupo (se católico romano, as encíclicas da igreja; se evangélico, os teólogos reformados) ou enraizando as suas ideias nas Escrituras. Enquanto uns velam pela “sã doutrina”, outros querem saber o que a Bíblia diz e como podemos entendê-la e colocá-la em prática. Para isto, buscam compreender o contexto em que as passagens estão inseridas. Os primeiros são principalmente dogmáticos e o segundo grupo é denominado “biblista”. Os biblistas são quase sempre vistos como suspeitos pelos dogmáticos, como os próprios reformadores o eram na sua época. Surpreendentemente, os dogmáticos gastam mais energia criticando seus colegas do que com aqueles que não se interessam pela fé ou que são ateus assumidos.

Sei que esta distinção é uma caricatura e que bons dogmáticos procuram interagir com as Escrituras e bons biblistas jamais ignoram as interpretações (dogmas) feitas ao longo dos séculos. Entretanto, o argumento final de cada grupo não deixa de ser distinto: ou “Lutero (Calvino etc.) diz...” ou “a Bíblia diz...”. E, para complicar ainda mais a nossa descrição, os reformadores protestantes advogavam a segunda estratégia -- e não a primeira -- ao conclamar “Sola Scriptura”!

Assim é a natureza do debate entre Tom Wright e John Piper sobre a doutrina da “imputação da justiça de Deus” àqueles que creem. Ambos escreveram livros a respeito desta questão. Piper reclama que a posição de Wright não coincide com a perspectiva dogmática e Wright, por sua vez, que Piper não está ouvindo o que as Escrituras dizem. Independentemente de quem “está certo”, Wright adota o princípio protestante da autoridade última das Escrituras, enquanto Piper4 adota o princípio católico da autoridade da tradição da igreja. Neste debate específico, Wright é acusado de negar a doutrina da justificação pela fé. Porém, não é o caso. Ele afirma a justificação pela fé, mas esclarece que uma passagem específica, Romanos 4.3, que de fato foi um pilar na Reforma de Lutero, não fala sobre a justiça “imputada”. A observação de Wright é tanto linguística (a melhor tradução da palavra não é “imputar”) quanto literária (esta não é a direção do argumento de Paulo em Romanos) e histórica (o debate luterano sobre o sistema de indulgências não corresponde à crítica de Paulo sobre a relação entre a graça e a Lei).5 Wright afirma que em outras passagens Deus imputa aspectos do seu carácter na vida daqueles que creem, o que não ocorre no trecho citado.

Tudo isto faz parte de uma perspectiva maior de Wright, que considera o evangelho essencialmente público. Por “público” ele entende a revelação de Deus dentro da história e o seu propósito final para a criação. Neste sentido, as boas novas (o evangelho) visam novos céus e nova terra, e não apenas a transformação individual -- mesmo que a inclua. As implicações desta perspectiva é que a justiça de Deus precisa ser concretizada não apenas nos corações dos cristãos, mas, por meio destes, na história, na economia e na política. Em seu livro Surpreendido pela Esperança, Wright sugere o perdão da dívida externa, principalmente de países africanos e pobres que vivem presos economicamente aos países ricos. Alguns líderes evangélicos de direita destes países protestam. Para Wright, a história de Deus é a história de um povo e este povo precisa tomar atitudes coletivas para manifestar as consequências da justiça de Deus em suas vidas.

Conclusão

É difícil apresentar uma figura de tanto impacto na vida da igreja e na academia como N. T. Wright. Sou grato a Deus por pessoas como ele, que nos ajudam a enxergar Jesus talvez um pouco mais parecido com quem ele era e conhecê-lo melhor como o Cristo ressurreto que permanece vivo em nosso meio. Esta é claramente a intenção de Wright, declarada nos seus escritos. Ele é um modelo de estudioso e pessoa comprometida com a igreja e com a missão neste mundo, um mundo criado por Deus e destinado à recriação por Deus.

Notas

1. Wright assina suas obras acadêmicas como N. T. Wright e as mais populares, como Tom Wright.
2. Em “Apologética cristã”; a revista de missões e doutrinas. ano 3, ed. 10, 2011. Veja a minha réplica no blog.
3. Os últimos dois volumes previstos são “Os Evangelhos e a História de Deus” e “Os Cristãos Primitivos e o Propósito de Deus”.
4. Escrevo com pesar sobre a postura de John Piper, de quem tenho aprendido muito. O seu livro “A Alegria das Nações” teve grande impacto na minha vida e moldou novamente a minha missiologia há cerca de dezessete anos. Entretanto, considero-o equivocado, mesmo que bem intencionado, na sua crítica a Tom Wright.

5. Novamente, para mais detalhes, veja meu texto aqui.

Por que um blog sobre N.T. Wright?


Acho que comecei a ler N.T. Wright no final de 2011. Alguém me perguntou por que eu não falava muito sofre o inferno em minhas pregações. Resolvi, então, fazer uma pesquisa na internet sobre o tema, a fim de encontrar melhores argumentos para responder esse tipo de pergunta. Busquei, em primeiro lugar, a opinião de meus autores preferidos: Eugene Peterson, Dalas Willard e Brennan Manning. Então, algo curioso aconteceu. Encontrei várias críticas ao "bloco" de escritores que eu apreciava, com o acréscimo de um "novo herege": N.T.Wright. Minha reação foi: "- Se eles estão criticando, deve ser uma boa leitura".

Começou, a partir daí, minha peregrinação. Li artigos, assisti alguns vídeos  e adquiri livros (o primeiro foi "O mal e a justiça de Deus"). Conversei, também, com outros pastores e amigos sobre o autor. Poucos o amavam; alguns o odiavam. Muitos o achavam interessante; mas a maioria nem o conheciam. 

No final, N.T. Wright se tornou um de meus principais mentores. Tenho lido todos os seus livros traduzidos para o português e vários deles ainda não traduzidos (as versões e-book ajudam muito). Com certeza, minha visão de espiritualidade e missão tem muito de sua influência. Além disso, minhas pregações o acompanham de perto. 

Através desse blog, portanto, gostaria de compartilhar seus escritos, a fim de tornar o autor mais conhecido na igreja brasileira. Pretendo postar textos importantes de seus livros, algumas reflexões pessoais a partir de seus trabalhos e opiniões de outras pessoas. 

Desejo, em Cristo e com o auxílio de Tom Wright, amadurecermos na fé e ampliarmos o impacto de Jesus no mundo onde vivemos.

Pr. Vinicius Lima
Igreja Presbiteriana Independente
Fevereiro de 2016